domingo, 29 de setembro de 2013

UM EXÉRCITO DE SENTINELAS OU DE IMBECIS? (PARTE II)


Como sair do estado de letargia no qual o sistema idiotizante do intelectualismo brasileiro nos deixou para sermos, de fato, as Sentinelas da Manhã sonhadas por João Paulo II?


Olavo de Carvalho, em seu artigo Geração Perdida, fez-me, mais uma vez, refletir sobre como a juventude está sempre “de prontidão” para mudar o mundo sem realmente saber o que é o mundo (e temos, aos montes, esses tipos no Brasil).

Quando percebo que Cazuza e Renato Russo são recordados como verdadeiros ícones da juventude brasileira, tidos como intelectuais e apresentados como modelo daquilo que deve ser um jovem que deseja mudar o mundo, percebo quão imbecis nós somos. Não quero demonizá-los, mas basta tomar conhecimento da biografia desses homens para ver o desequilíbrio total que lhes caracterizou no relacionamento familiar, na vida afetiva e sexual, e o modo como, tristemente, acabaram perdendo suas vidas. Levantaram a bandeira do “jovem verdadeiramente livre e politizado”, símbolos do inconformismo que deve caracterizar a juventude. Encarnaram o ideal da “Revolução”, da “mudança do Brasil”, quando, em realidade, foram instrumentos da total idiotização da juventude brasileira, “fantoches” da revolução cultural sonhada por homens como Antonio Gramsci e os teóricos da Escola de Frankfurt.

Fico feliz quando vejo uma Rachel Sheherazade e um Paulo Eduardo Martins ocupando lugares de destaque na Mídia e falando abertamente em defesa dos mais altos ideais. Pessoas capacitadas em suas áreas de atuação, são autênticas sentinelas da manhã, reluzindo no meio de uma geração corrupta e perversa. Não preciso ser âncora do jornal das oito para, só então, ser sentinela; mas preciso de capacitação, de conhecimento, independente do ambiente em que me encontro se, de fato, quero ser geração JP II, Sentinela da Manhã.

Jovens católicos “comendo na mão” de Sartre, Michel Foucault e Heribert Marcuse, admirando Agenor Brighenti e Antônio Carlos Wolkmer, marchando em direção exatamente oposto à fé que professam... Isto é o que fatalmente nós vemos. Que Hyppolite Taine, citado por Olavo no texto abaixo, sirva-nos de inspiração.


Geração Perdida

Hyppolite Taine conta que, aos 21 anos, vendo-se eleitor, percebeu que nada sabia do que era bom ou mau para a França nem das ideologias em disputa na eleição. Absteve-se de votar e começou a estudar o país. Décadas depois, vieram à luz os cinco volumes das Origines de la France Contemporaine (1875), um monumento da ciência histórica e um dos livros mais esclarecedores de todos os tempos. O jovem Taine não votou, mas o Taine maduro ajudou muitas gerações, na França e fora dela, a votar com mais seriedade e conhecimento de causa, sem deixar-se iludir pelas falsas alternativas da propaganda imediata. Saber primeiro para julgar depois é o dever número um do homem responsável - dever que o voto obrigatório, sob a escusa de ensinar, força a desaprender.

Taine foi muito lido no Brasil, e seu exemplo deu alguns frutos. Entre os que tiveram seu caminho de vida decidido pela influência dele contou-se o jovem Affonso Henriques de Lima Barreto. Ele aprendeu com Taine que as coisas podem não ser o que parecem. Como romancista, ele fixou a imagem da ambigüidade constitutiva das atitudes humanas no duelo de personalidades do major Quaresma com Floriano Peixoto, onde o passadista se revela um profeta e o progressista um ditador tacanho e cego. Mas a mensagem dessa história, ainda que consagrada pelo cinema, não se impregnou na mente das novas gerações. Talvez não venha a fazê-lo nunca, precisamente porque, amputada da ética taineana da prioridade do saber, que lhe serve de moldura, ela se reduz a uma observação casual que pode ser dissolvida numa enxurrada de lugares-comuns. Hoje, de fato, raramente se encontra um jovem que não queira, antes de tudo, "transformar o mundo", e que, em função desse "parti pris", não adie para as calendas gregas o dever de perguntar o que é o mundo.

Sim, no Brasil cultura e inteligência são coisas para depois da aposentadoria. Quando todas as decisões estiverem tomadas, quando a massa de seus efeitos tiver se adensado numa torrente irreversível e a existência entrar decisivamente na sua etapa final de declínio, aí o cidadão pensará em adquirir conhecimento - um conhecimento que, a essa altura, só poderá servir para lhe informar o que ele deveria ter feito e não fez. Antevendo as dores inúteis do arrependimento tardio, ele então fugirá instintivamente do confronto, abstendo-se de julgar sua vida à luz do que agora sabe.

Embalsamado num nicho de diletantismo estético, o conhecimento perderá toda a sua força iluminante e transfiguradora, reduzindo-se a um penduricalho inócuo, adorno inofensivo de uma velhice calhorda. Eis onde termina a vida daquele que, na juventude, em vez de esperar até compreender, cedeu à tentação lisonjeira do primeiro convite e se tornou um "participante", um "transformador do mundo".

Eu também caí nessa, mas tive a sorte de minha carreira de transformador do mundo ser detida, logo no início, por uma chuva de perplexidades paralisantes que me forçaram a largar tudo e a ir para casa pensar. Acossado de perguntas que ultrapassavam minha capacidade de resposta, fui privado, pelo bom Deus, da oportunidade de tentar moldar o mundo à imagem da minha própria idiotice.

Mas essa sorte é rara. O Brasil é o país do gênio prematuro, degradado em bobalhão senil logo na primeira curva da maturidade. Quando contemplo esse circo decrépito da revista Bundas, onde cômicos enferrujados se esforçam para repetir as "performances" de 30 anos atrás, que na sua imaginação esclerosada se petrificaram em emblemas estereotipados de "vida" e "juventude"; quando, lendo Caros Amigos, vejo homens de cabelos brancos se esfalfando para recuperar sua imagem idealizada de patota juvenil dos "Anos Dourados", não posso deixar de notar que em todas essas pessoas que falam em nome do futuro o sentimento dominante é a saudade de si mesmas. Não falta a esses indivíduos a consciência de que suas vidas falharam. Mas atribuem a culpa aos outros, ao governo militar que impediu sua geração de "chegar ao poder". No entanto, a desculpa é falsa, porque, mal ou bem, eles estão no poder. Eram jovens militantes, hoje são deputados, são catedráticos, são escritores de sucesso, são formadores de opinião. Por que, então, lambem com tanta nostalgia e ressentimento as feridas da sua juventude perdida? É porque ela foi perdida num sentido muito mais profundo e irremediável que o da mera derrota política. E agora é tarde para voltar atrás.



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