Comunidades de Renovação
Uma
eclesiologia de comunhão – breve estudo aplicado aos Grupos de Oração
1. O despertar
“comunitário”
a) Uma breve “análise
de conjuntura”.
Existe uma
exigência cada vez maior de qualidade e comportamentos adequados daqueles que
dirigem a sociedade. Esta característica da sociedade moderna também se aplica
à religião e à Igreja. A insatisfação com os serviços religiosos tradicionais e
os escândalos recentes envolvendo a Igreja institucional, (amplamente e maldosamente
divulgados pela mídia) provocaram descrédito da instituição e aumento da
resistência aos seus pronunciamentos e ensinamentos. Esta decepção, por outro
lado, revelou a excessiva “dependência do padre e da paróquia” que a Igreja
Católica padece, já que o número de padres não tem crescido no ritmo da
população. (em 1970 havia um padre para cada 7.100 habitantes, em 1990 um padre
para cada 10.100 habitantes).
Outros
grupos religiosos atribuem ao demônio ou espíritos malignos, toda culpa,
fazendo que ninguém se sinta responsável por corrigir o erro na sociedade, na
qual convivem, formando um quadro, no mínimo estranho: religiosidade e
violência, busca de Deus e injustiça.
Essas
tendências aparecem nos dados do Censo 2000, relativos à religião, que são
três:
·
A
diminuição da porcentagem dos cristãos católicos, de 83,3% para 73,9%.
·
O
aumento da porcentagem dos cristãos evangélicos, de 9,0% para 15,6%.
·
O
aumento dos que se declaram sem religião, que passam de 4,7% para 7,4% da
população (de 7 milhões para 12,5 milhões)
Diante
desta análise cabe uma avaliação da qualidade de nossa presença junto ao povo,
como exigência da própria missão de evangelizar. Podemos perguntar se, diante
das mudanças sócio-culturais, as estruturas de pastorais e o atendimento da
Igreja Católica conseguiram alcançar de forma suficiente as populações de um
modo geral. A vocação leiga ao apostolado e as novas formas de organização da
vida eclesial devem ser incentivadas.
b) Olhando para a Renovação
Carismática Católica no Brasil
Os
participantes da Renovação Carismática Católica no Brasil estão inseridos neste
contexto como fiéis e cidadãos e sendo a Renovação um movimento eclesial, é
chamada a dar uma “resposta criativa” aos desafios deste tempo.
Já em 2002
o Projeto “Reavivando a Chama” da RCC/BR fez uma breve analise da realidade
carismática, apontando problemas que estão ligados, em suma, a perda de
identidade e esfriamento da “experiência carismática”, nos grupos e nas
lideranças.
Considerando
o “Grupo de Oração”, nota-se que os modelos adotados para as Reuniões de
Oração, copiados algumas vezes de assembléias grandes e de grupos
“televisivos”, dificultam uma contribuição efetiva de seus participantes e o
exercício dos carismas.
É muito
comum queixar-se de uma “Igreja anônima”[1], imensa, porque o
cristão não tem a oportunidade de vivenciar, mais do que uma vez por semana,
uma experiência comunitária que permita perceber o que é partilhar a vida de
fé, ou que brota da fé. Esta queixa do anonimato atinge também nossos Grupos –
Reuniões de Oração, onde o fiel não identificado, pouco participa, somente
“reage” as motivações da “animação”, mas não partilha sua vida e não se dá a
conhecer.
O “Grupo de
Oração (é) o lugar de realização da identidade da Renovação, da missão, da
comunhão eclesial, e da vivência da fraternidade”[2], e principal
visibilidade da RCC na Igreja, espera-se que neles brotem “verdadeiras
expressões de comunidade, como um modo de vida que coloca seus participantes
sempre mais disponíveis para a obra de Deus, a serviço do outro.”[3]
Este ideal
de comunidade como “um modo de vida” ainda não é tão presente, notando-se a
falta de conhecimento e relacionamento fraterno entre os participantes das
Reuniões de Oração e, algumas vezes, mesmo entre os membros dos Núcleos de
Serviço (Grupos de Oração).
Sem este
elemento de fraternidade e comunhão as Reuniões de Oração correm o risco de se
tornarem uma prática devocional, ou ainda uma fuga “emocional” do cotidiano,
não realizando a “experiência de Pentecostes” já que “não basta alimentar o bem
no coração, mas é preciso praticá-lo de fato. Essa práxis se dá, realmente, no
relacionamento interpessoal, no auto-posicionamento comunitário, na sociedade
em que se vive o que se nutre no coração.”[4]
Os carismas
são dados em “vista do bem de todos” (1Cor 12,7), são para a edificação da
comunidade cristã[5], portanto nos Grupos –
Reuniões de Oração os carismas serão “autênticos” se construírem a comunidade
cristã. Daí se as manifestações dos carismas não construírem comunidades correm
o risco de se tornarem apenas “espetáculos carismáticos”. Para isso concorre,
atualmente, em alguns casos, o grande desenvolvimento do “ministério de música”
e do “ministério de animação”, que tende a “monopolizar” a atividade do Grupo –
Reunião de Oração, gerando “emocionalismo e sensacionalismo” que podem
substituir a verdadeira experiência do Espírito, ou ainda, um intimismo que
favorece o individualismo, dificultando a identificação de si e do outros, a
dimensão da alteridade e da comunidade.
A crítica
que se faz a uma liturgia “por demais óbvia e repetitiva”[6], que impossibilita a
liberdade de expressão e a vivência da comunidade, pode ser estendida às
Reuniões de Oração, em alguns casos, já que existe quase que uma “seqüência litúrgica”
a ser seguida.
A
rotatividade em alguns
Grupos de Oração denuncia a falta de perspectiva de
engajamento nas atividades do movimento e, ou, a dificuldade de participar dos
núcleos de liderança, por uma burocracia excessiva. Pode significar também o
esgotamento da “experiência emocional” que se faz no Grupo-Reunião de Oração,
que não gerou convicções e relacionamentos capazes de sustentar uma vida cristã
adulta e madura. “A experiência oferecida deve ir além da ‘comunidade
emocional’, que satisfaz os sentimentos, mas que não chega a uma experiência autêntica
da fé e do compromisso”.[7]
Os Grupos –
Reuniões de Oração “não sendo fechados em si mesmos e não sendo um fim em si
mesmo, buscam construir uma comunidade adulta de cristãos”.· Para tanto se faz necessário dar um passo além dos Grupos
- Reuniões de Oração. É próprio da experiência do Espírito da descoberta do
outro, e a partir desta descoberta a “partilha dos dons, para que se chegue a
partilha dos bens”.[8]
2. Comunidade, fenômeno
atual.
a) O fenômeno comunitário na Igreja Católica
"Comunidade" é um termo de uso corrente e conhecido,
relativamente claro, embora polivalente; faz pensar em grupos, bastante
homogêneos, que partilham muitas coisas e vivem valores fortes com acentuada
intensidade.
O fenômeno comunitário assume grande visibilidade. O interesse pelo
fenômeno comunitário entre os cristãos remonta aos anos 70 e ainda continua bem
marcante nestes tempos.
Apesar de
todo o desenvolvimento das comunidades e de formas comunitárias, algumas dificuldades têm aparecido. Não tanto por causa dos problemas que
as comunidades costumam suscitar às formas institucionais bem estabelecidas da
Igreja, mas sim porque o cristianismo, principalmente o católico, parece andar
meio perdido diante do fenômeno comunitário.
As comunidades hoje existentes correspondem a acentuações
ou estilos de fé que são bem peculiares. É o caso, por exemplo, das comunidades
de base (CEBs), muitas vezes comprometidas com o aspecto sócio-político, das
comunidades de vida e ou de aliança surgidas na Renovação Carismática,
orientadas por uma experiência própria do Espírito (carisma fundante) e
voltadas para o louvor a Deus e o anúncio explícito do Evangelho; ambas supõem
uma vocação e uma solidariedade que não são exatamente as de todos os cristãos.
Daí a necessidade de que surjam comunidades mais
diversificadas que respondam a busca e o desejo do povo cristão, de um modo
geral. Ou seja, comunidades simples, acessíveis, que permitam partilhar a vida
que se leva e a fé que se tem.
Existe a tentação de
pensar que os cristãos nada esperam nesse campo, que são
individualistas e não se interessam ou não vêm a necessidade de uma comunidade.
Mas, depois de tantos anos de trabalho e de reflexão, temos a convicção que
falta, no momento atual, um empenho a favor do florescimento de comunidades
cristãs abertas a um maior número de pessoas. As comunidades atualmente
existentes não respondem às necessidades que são ou deverão ser satisfeitas.
b) Necessidades de uma comunidade
Falamos de necessidades, mas por quê? Por dois motivos. O primeiro: uma
Igreja demasiado anônima, onde a maioria dos cristãos não tem a possibilidade
de viver uma experiência comunitária que permita perceber, de um modo diferente
do que ocorre em grupos anônimos, o que é partilhar a fé.
O segundo motivo é que os cristãos anseiam por comunidades, se não no
começo de sua trajetória eclesial, pelo menos na medida em que avançam. Quando
descobrem ou redescobrem uma nova maneira de viver a fé evangélica e a pertença
eclesial sentem muito claramente que a missa dominical não basta para alimentar
sua fé. Eles sentem necessidade também de falar com outras pessoas acerca do
que fazem e do que crêem, e que, aliás, descobriram graças aos meios que a Igreja
lhes propiciou. Estariam eles como que impedidos de prosseguir numa perspectiva
comunitária simplesmente porque isso é mais difícil ou menos habitual na Igreja
de todos os dias? Precisamos refletir sobre o que poderia ser uma experiência
normal de comunidade para cristãos comuns que o Espírito convoca para viver em
Igreja.
Existem pressões e não basta fazer alarde do "comunitário" para
enfrentar os desafios de nosso tempo e as relações sociais, nacionais e
internacionais. A comunidade não é uma panaceia, nem tem resposta para tudo.
Mas talvez seja um elemento precioso, e até mesmo vital, a levar em conta
diante dos múltiplos desafios que tanto as Igrejas como as sociedades têm de
enfrentar.
c) O que é comunidade?
São muitas as ocasiões de estar com os outros, e nem todas essas ocasiões dão
origem, efetivamente, ao que chamamos de comunidade. Daí a utilidade de começar
por explicitar não só a terminologia, mas também os diversos tipos de experiência
que podemos fazer nesse campo.
Podemos dizer que uma comunidade tem a ver com o que hoje costumamos chamar
de “mundo associativo, ou seja, as formas de encontro, comunicação e ação comum
que resultam da livre iniciativa dos membros que as compõem, e que não
pertencem — pelo menos quando começam — à rede de instituições da sociedade
global (esferas da política, da administração, da comunicação etc.)”.[9]
Nesse sentido, uma comunidade (eclesial ou não) é um grupo livremente
instituído (1) à margem do sistema social (ou eclesial) tomado em conjunto (2).
Não são todos os grupos que possuem estas duas características, existindo
grupos que são células da organização coletiva (câmaras de vereadores e, no que
toca à Igreja, as paróquias).
A palavra "grupo" tem, portanto, um sentido mais amplo e mais
neutro do que "comunidade"; um grupo tanto pode ser
"informal" como pode estar ligado estatutariamente à organização social
ou eclesial. Já uma comunidade corresponde a um tipo peculiar de grupo, que
depende da livre iniciativa de seus membros e tem certa autonomia com relação à
sociedade ou à Igreja. É uma associação.
Observamos que certas comunidades, considerando que a palavra
"comunidade" tem uma conotação mais profunda preferem chamarem-se
simplesmente de “grupo”.
Costumamos também falar de "comunidades naturais" para enfatizar
o aspecto concreto de agrupamentos de forte base local (família, aldeia,
bairro, redes de solidariedade ou de proximidade social). Lembramos que essa
base natural sempre manifesta a vontade cultural de encontro com os outros.
Diante do exposto, “podemos dizer que uma comunidade resulta de um pacto
entre seus membros, de uma aliança contratual livremente consentida, qualquer
que seja sua forma, isto é, quer haja uma regra comunitária, quer não haja
regulamentos e a comunidade prefira viver no dia-a-dia a fidelidade às
orientações comuns”[10].
O termo "comunidade" pode ser empregado também em sentido amplo
para designar certas instituições ou organizações que enfatizam ou valorizam,
ao mesmo tempo, os relacionamentos internos e o estilo de convivência. Nesse
sentido, pode-se falar de uma "comunidade urbana", de uma "comunidade
paroquial".
Os documentos do
Concílio Vaticano II utilizam a palavra “comunidade” de uma maneira mais ampla,
podendo designar:
· A Igreja em seu conjunto: Constituição pastoral
Gaudium et spes 58; Decreto Ad gentes, 14 e 16; Constituição Sacrosanctum
concilium 37;
· A paróquia: Constituição pastoral Gaudium et spes
30; Decreto Ad gentes, 15, 16 e 37; Decreto Apostolicam actuositatem, 10;
Constituição Sacrosanctum concilium, 42; Decreto Christus Dominus,30;
· A diocese: Decreto Ad gentes, 20, 37;
· Um tipo específico de comunidade, a chamada comunidade religiosa (ordens, congregações, institutos): Decreto Perfectae caritatis;
· As Igrejas separadas: Decreto Unitatis
redintegratio, 3, 4, 19; Decreto Optatam totius, 16.
· A comunidade humana como um todo: Constituição
dogmática Lumen gentium, 31, 42, 44; Constituição pastoral Gaudium et spes, 5,
9, 25, 65, 73-75, 84 e 86; Declaração Gravissimum educationis, , 3; Decreto
Apostolicam actuositatem, 7.
d) As relações de
partilha
Aprofundando a compreensão do que seja uma comunidade, percebemos um
terceiro elemento constitutivo: a comunidade supõe e estimula relações intensas
entre seus membros. Uma comunidade é um grupo onde o interpessoal tem grande
importância. Os membros se conhecem, e não desejam que se introduza o germe do
anonimato em seu meio; o grupo deve favorecer cada membro falar e dar-se a
conhecer. Cada um pretende ser ouvido e, em troca, dispõe-se a ficar atento ao
que os outros membros têm a dizer. Evidentemente, o número de membros que
permite que o grupo se sinta em "escala humana" é variável.
Uma comunidade supõe uma partilha bastante profunda. Não é apenas um grupo
de tarefas, ou um agrupamento constituído em vista de uma ação. Isso também,
mas não é tudo. Os membros de uma comunidade cristã estão de acordo para
referir-se às iniciativas do grupo em nome de uma experiência espiritual de
"partilha", de escuta e oração em comum. “Cada um assume arriscar
algo que é seu, e disso nasce uma experiência de natureza diferente daquela a
que cada um estava acostumado. Uma comunidade é da ordem do qualitativo, e de
um qualitativo específico”.[11]
Falamos do "calor humano" do grupo, e muitas vezes receamos que
os grupos calorosos acabem se “fechando” servindo de desculpa para evitar as
dificuldades da vida na sociedade (mundo). Existe o risco, mas temos que
impedir a experiência antes de tentar viver a ousadia do desafio comunitário?
Queremos descobrir a vida e a fé sob uma nova forma, diferente, e para tanto o
grupo se apresenta ao mesmo tempo como meio e expressão concreta, ou presença,
dessa outra vida para a qual todos tendem. No cristianismo, pensamos na
comunidade a partir do ideal de convivência apresentado nas Escrituras e nos
exemplos apresentados ali.
e) Comunidade e comunidade
A definição geral de comunidade não é bastante. A comunidade cristã é, como
qualquer outra comunidade, uma forma associativa de caráter opcional e autônoma
e que visa estimular a partilha em seu seio. Mas o cristianismo acrescenta na
ordenação desses grupos algumas particularidades que são, evidentemente,
essenciais.
Acrescenta, sobretudo, as indicações clássicas e conhecidas: a comunidade deve ter algo de
familiar e ser semelhante a uma fraternidade e supõe, como lemos nos Atos dos
Apóstolos, a dimensão espiritual, a dimensão material, a confiança e os
momentos intensos da experiência de Deus.
Uma comunidade supõe não apenas a dimensão associativa (livre decisão e
autonomia), mas também a partilha propriamente dita (e, portanto, uma forma de
relação mais exigente do que a requerida por uma associação não-comunitária).
Sob esse aspecto, a comunidade distingue-se da equipe. É certo que, nos
dois casos, trata-se de efetivos restritos e há certa convivência; e, por ser
livremente constituída, a equipe faz parte igualmente do gênero associativo.
Todavia, a diferença está na concepção de partilha, isto é, do que é posto em
comum, pois numa comunidade as relações entre as pessoas têm um estilo mais
denso e um conteúdo mais amplo e mais pessoal do que numa equipe.
"Posto que Jesus Cristo é seu único fundamento, a comunidade cristã
não é uma realidade de ordem psíquica, mas de ordem espiritual. E nisso ela se
distingue de todas as outras formas de comunidade. 'Espiritual', segundo a
Bíblia, é o que vem do Espírito Santo, que é quem nos faz reconhecer Jesus
Cristo como Senhor e Salvador. Por 'psíquico ', a Bíblia entende, ao contrário,
tudo aquilo que, em nossas almas, é a expressão de nossos desejos, de nossas
virtudes e de nossas possibilidades naturais”.[12]
Existem fatores a serem considerados quando tomamos a comunidade em relação
a conjuntos numericamente mais importantes e de estrutura menos delimitada. É o
caso que ocorre com o povo (uma determinada etnia, ou o povo de Deus), que se
exprime através de uma consciência de pertença e co-responsabilidade, de uma
história comum que serve como referência, ou de uma língua comum; mas, como
tal, o povo não chega a constituir propriamente uma comunidade, pois é por
natureza muito numeroso e não pode ser fisicamente reunido.
Também o que chamamos de “público”, ou seja, um conjunto humano relativamente
indeterminado cuja unificação se dá ou por interesses comuns ou pelas
estratégias da mídia, (público de um filme ou de uma rede de televisão ou
"o grande público", ou ainda "público-alvo") que é por
natureza mais delimitado, não forma uma comunidade, embora em seu meio existam
correntes de opinião e determinadas conivências.
Não podemos chamar de comunidades certas organizações sociais ou eclesiais
que procuram suscitar e manter entre seus membros uma consciência comum e certa
solidariedade (empresas, escolas, organizações não-governamentais etc), pois em
geral são organismos de grandes dimensões, e as relações entre seus membros são
principalmente de natureza funcional. Talvez possam ser consideradas como
comunidades no sentido mais amplo.
Aliás, é o que costuma ocorrer quando uma comunidade se desenvolve e se
dissemina, dando origem a outras comunidades e guardando a designação de
comunidade para identificar o conjunto (esta forma é identificada como “rede”).
É compreensível que se queira preservar uma linguagem comunitária, própria ao
grande grupo (por exemplo: Igreja de "comunhão"). Mas uma rede de
comunidades não é exatamente uma comunidade no sentido próprio, mesmo quando o
que a anima é o espírito comunitário.
f) Comunidade paroquial
Necessariamente temos
que citar, mesmo que sucintamente, o problema que é despertado pela paróquia. Alguns anos atrás, muitos cristãos sonhavam com "paróquias
comunitárias", e hoje em dia continua-se a ver a paróquia como uma
comunidade. Mas, observando as coisas mais de perto, o que se percebe é que a
paróquia, principalmente a urbana, não vai muito além daquela forma ampliada e
genérica de comunidade de que já falamos. Por um tempo, é bem possível que se
tenha sonhado reencontrar na cidade o tipo de relações que antes existia na
paróquia rural, mas mesmo esta não era propriamente uma comunidade no sentido
que hoje se dá à palavra.
"A paróquia atual não é, em sentido verdadeiro, uma comunidade. Ela
não pode ser uma comunidade propriamente dita porque mesmo o número de seus
membros, demasiado grande, serve de obstáculo e impede que eles realmente se
conheçam, mantenham relações verdadeiramente humanas e, a fortiori, possam
trocar idéias e experiências no nível da vida espiritual e da fé”.[13]
A Igreja local
(paróquia) não é parcela da Igreja no sentido exato do termo; trata-se antes de
modalidade organizatória da Igreja particular com o objetivo de melhor
satisfazer às tarefas pastorais. Sob este prisma de sua origem, a paróquia
cuidava de três encargos: administração do batismo,
celebração da eucaristia e assistência aos indigentes. O âmbito de sua
competência dependia da densidade populacional. Crescendo a influência do
sistema feudal, a paróquia também adotava traços feudalistas expressos na
circunscrição territorial de sua jurisdição, nos bens materiais e na
administração dos bens espirituais necessários para a salvação (sacramentos e
sacramentais).
“Um dos distintivos
da paróquia é a centralização da administração dos sacramentos, a insistência
sobre o múnus presbiteral e a sua jurisdição delegada da parte do bispo, pelo
que o pároco funcionava como intermediário entre bispo e do povo, sendo este
delimitado territorialmente a um só lugar de administração da salvação e da
atividade religiosa, cabendo-lhe papel bastante passivo. A finalidade da
organização era abarcar, em nome da religião, o Povo de Deus dentro da
estrutura patriarcal e do sistema feudal de produção para santificar-lhe a vida
apostolicamente. Esta finalidade era atingida realmente durante séculos em
seguida”.[14]
Atualmente são
muitos documentos oficiais e teólogos que abordam a grave crise deste modelo
pastoral: "Em nossa pátria, por causa da vasta extensão das paróquias e
escassez de clero e pouca influência da renovação eclesial, propiciada pelo
Concílio de Trento, além de outros fatores tais como a originalidade da
formação de nossas cidades e dos métodos de evangelização nelas empregados, a
paróquia viu-se enfraquecida na eficácia da ação evangelizadora, apresentando
deficiências que progressivamente foram se agravando, atingindo uma fase mais
crítica no período da atual caminhada da Igreja... Este sistema tem funcionado
com certa eficácia nas cidades pequenas e médias, segundo
cada região. Entretanto, o atual fenômeno da urbanização com suas
características próprias não deixa de questionar a estrutura e o sistema
paroquiais".[15]
O homem urbano já
vive num ambiente social abrangente de todas as áreas de sua vida. As múltiplas
implicâncias sociais asseguram ao indivíduo as mais variadas opções capazes de
lhe estimular a liberdade pessoal. A paróquia tradicional, comprovada como
instância controladora e totalitária, é rejeitada instintivamente. Em seu
lugar, o homem busca outros agrupamentos e comunidades para fazer frente à
quantidade das possíveis realizações. "Portanto precisamos prever para o
futuro vários tipos de laços comunitários e vários tipos de pertença à Igreja
por meio da pertença aos grupos. Cada pertença será limitada, cada comunidade
será especializada e capacitada para responder a um tipo de necessidades
cristãs. A harmonia na multiplicidade fará a configuração da Igreja de
amanhã".[16]
Os fatores
concretos da transformação e da diferenciação da população, a dependência dos
modelos de organização técnica e econômica, a discriminação dos cidadãos
segundo a profissão, a cultura, a residência, os lazeres e as ideologias —
arrastaram o homem ao isolamento até a marginalização, sugerindo, por outro
lado, o desejo de solidariedade e participação ativa no processo sociológico.
Esse comportamento reflete, na comunidade paroquial, o desejo de uma
“comunidade mais humana” e possível aos fiéis. São estes mesmos fatores que
põem em xeque a estrutura paroquial, que reclama "uma séria revisão do
sistema paroquial com seu território, matriz e grupos atuantes".[17]
O critério
territorial conserva a sua legitimidade por ser a "igreja" o ponto de
convergência das comunidades, dos líderes e dos ministros hierárquicos. Ao seu
lado está surgindo o princípio pessoal que congrega uma comunidade paroquial
portadora dos interesses e objetivos comuns, independentemente da residência de
cada um (a paróquia por opção). A paróquia transforma-se então numa "rede
de grupos organizados" que abriga espontaneamente aquelas pessoas cujas
aspirações religiosas combinam com este ou aquele grupo. Estes agrupamentos
(aqui vemos o sentido das “comunidades e Grupos de Oração”) necessitam da
função integrante da paróquia, a fim de que seja renovadas a sua dimensão
apostólica e missão missionária no seio da Igreja, e orientada em vista da vida
total da Igreja. Sem essa precaução, os ditos grupos cairiam inevitavelmente no
perigo do isolamento.
“Entre os encargos
mais urgentes sobressai a promoção das comunidades no intuito da tarefa
especial e do exercício de seus carismas, bem como da formação de lideranças
idôneas e indispensáveis para um apostolado leigo harmonioso”[18].
“A paróquia reúne em si duas realidades eclesiais: unificada na tradição
apostólica, ela cria comunidades que ostentam uma convivência fraternal no
espírito evangélico, celebrando a presença salvífica de Deus em meio ao
dia-a-dia (1). Ela alarga o horizonte do Povo de Deus universal, missionário e
responsável pelo mundo, agregando-o ao ministério hierárquico do Povo de Deus,
atribuindo-lhe segurança institucional, deduzida da filiação divina na morte e
ressurreição de Jesus Cristo, superposta aos vínculos humanos da solidariedade
(2)”.[19]
g) Grupo de Oração, Reunião de Oração e
Comunidade.
·
Grupo de Oração
Aqui cabe
uma distinção entre Grupo de Oração e Reunião de Oração. Nem toda Reunião de Oração
é um Grupo de Oração.
O conceito GRUPO
envolve dimensões comunitárias, ou seja, da formação de uma comunidade, como já
vimos acima. As Reuniões de Oração (que nós chamamos de Grupos de Oração) são
promovidas por este Grupo Comunitário ou pela Comunidade, sendo expressão de
sua vida e “porta” para aqueles que querem participar desta experiência.
O conceito de Grupo
“implica na consciência de interesses comuns (comunitários) e no reconhecimento
da interdependência” e na solidariedade (co-responsabilidade) Estes elementos
podem ser chamados de fraternidade. Ainda “grupo é um todo dinâmico, em
movimento, por fazer-se, com relações de partilha e co-responsabilidade entre
os seus membros.”[20]
Este mesmo conceito de
Grupo como comunidade orienta toda a reflexão de Bert Ghezzi no livro “Se o
Senhor não construir”, Edições Paulinas – 1976, onde na pág 75, afirma que “A
reunião de oração é o coração do Grupo de Oração”. Portanto concluímos que o
Grupo de Oração precisa ser uma expressão de comunidade, ou melhor, de uma
experiência de vida de comunidade, sendo este seu objetivo. A mesma visão leva
o Cardeal Paul Cordes a considerar os Grupo de Oração como uma forma de vida
comunitária ao lado das “novas comunidades”.[21]
A
reunião do Grupo de Oração (grupo no sentido afirmado acima) está fundamentada
na promessa de nosso Senhor que "onde dois ou três estiverem reunidos em
meu nome, ali estou eu no meio deles" (Mt 18,20). Sua finalidade é
proporcionar e aprofundar a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo
que se faz pelo derramamento do Espírito Santo.
·
Reunião de Oração
As Reuniões de Oração
são expressões de um Grupo de Oração e servem para manifestar a vida
comunitária gerada pela experiência do Espírito Santo, sendo, ao mesmo tempo,
uma oportunidade de inserção nesta mesma comunidade para todo participante.
Este Grupo de Oração,
considerando suas relações internas, solidariedade (co-responsabilidade),
empenho em tarefas e objetivos comuns e, sobretudo, participante de uma
experiência religiosa – espiritual comum, pode ser chamado de “comunidade” ou
ainda, o “princípio de uma comunidade”.
A reunião do Grupo de Oração é uma reunião semanal de uma comunidade que procura
levar uma vida cristã intensa no mundo moderno. É no encontro de oração que
esta comunidade se reúne para compartilhar suas experiências, dar e receber
estímulos, e evangelizar e acolher os novos participantes. Tem características
que a distinguem da maioria das reuniões de cristãos:
Jesus é
o centro de atenção do encontro de oração. Tudo que se diz e tudo que se faz é
dito e feito pela fé em Jesus como Senhor e com uma convicção profunda da sua
presença. É um encontro onde há muita liberdade, cantos, gestos, ensinamento,
louvor, oração espontânea, petição etc. Tudo tem o seu sentido.
Não é um acontecimento unilateral em que os
homens fazem tudo. Deus age por seu Santo Espírito, comunicando seus dons e
inspirando a oração e as atividades na reunião. Na reunião Deus fala aos
homens: Sagrada Escritura, ensinamentos, acontecimentos da vida diária, e dons
carismáticos. São estes dons especialmente que tornam nossos encontros de
oração únicos.
·
Bert Ghezzi
A
seguir um trecho do livro de Bert Ghezzi, pois que são bem oportunas suas
considerações:
O cristianismo, por vontade de Deus, é um
sistema de relacionamento entre irmãos do Senhor. Quando Jesus orou pela nossa
unidade "a fim de que todos sejam um" ( Jo 17, 21 ) e nos mandou amar
uns aos outros como ele nos amou "dou-vos um mandamento novo: que vos
ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros" (
Jo 13,34 ), ele não estava falando de algo invisível ou abstrato. Estava
chamando-nos para formar um corpo que todas as pessoas pudessem ver. Era sua
intenção que as pessoas viessem a acreditar que o Pai o tinha enviado,
observando a qualidade de nosso relacionamento de uns com os outros. Os grupos
de oração carismáticos estão vivendo uma renovação desta dimensão da vida da Igreja
e prometem renová-la em todo o cristianismo.
Não é fácil construir um relacionamento
fraterno, mas o Senhor nos deu recursos poderosos com os quais o podemos fazer.
Os grupos de oração deverão despender o máximo de esforço para ajudar os
membros a aprender s se amarem mutuamente, uma vez que o amor é a finalidade da
vida cristã.
Os grupos de oração podem dar uma grande
contribuição à renovação da Igreja empregando fielmente todos os meios
possíveis de promover o relacionamento pessoal entre os seus membros.
Os grupos de oração são ambientes que ajudam as
pessoas a amarem o Senhor e a amarem seus irmãos. Todas as reuniões e
atividades do grupo devem destinar-se a levar as pessoas a progredir no amor.
Os membros do grupo de oração nunca devem considerar as reuniões como
obrigações, mas como oportunidades de aperfeiçoar o seu relacionamento pessoal.
Assim as equipes de dirigentes devem considerar bem os esquemas dos encontros
do grupo e das suas e das suas atividades para se certificar que o amor, não o
encontro é a finalidade do grupo de oração. .[22]
[1] cf. GONDAL, Marie Louise,
“Comunidades no cristianismo – um novo passo a ser dado”, Edições Paulinas,
1999
[2]
Plano de Ação 2002 RCC/BR – “Reavivando a Chama”, página 5.
[3]
Idem
[4]
CATÃO, Francisco, “Carismáticos, um sopro de renovação”, Editora Salesiana Dom
Bosco, 1995
[5]
cfr. Christifideles Laici nº 24, Apostolicam actuositatem, nº 3 e Catecismo da
Igreja Católica, nº 799
[6]
cfr. Comblin, José, “Um novo amanhecer da Igreja?”, Editora Vozes, 2002 (2ª
edição)
[7]
Documentos da CNBB, nº 71, Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja
no Brasil 2003 – 2006, nº 140.
[8]
Cfr. Suenens, Cardeal LJ e Câmara, Cardeal Helder, “Renovação no Espírito e
serviço ao homem”, Edições Paulinas, 1979
[9]
GONDAL, Marie-Louise – “Comunidades no cristianismo, um novo passo a ser dado”,
Edições Paulinas, 1999
[10]
Idem
[12]
BONHEFFER, Dietrich – Sobre a vida comunitária.
[13]
LÉGAUT, Marcel – “Mutation de l’Église et converion personelle”, Aubier, 1975,
citado por Schillebeeckx, Edward, in “Por uma Igreja mais humana”, Edições
Paulinas, 1989
[14]
PIEPKE, Joaquim G. Svd, “A Igreja voltada para o homem”, Edições Paulinas, 1986
[15]
COMBLIN, José, “Utopia da
comunidade paroquial", em Pastoral urbana, pp. 787-789; Pastor, “Crise da
paróquia” em Paróquia, pp. 25-27.
[16]
COMBLIN, José, “Pastoral urbana”, p. 792
[17]
CNBB Sul I, Pastoral, p. 13
[19] idem
[20]
Sartre, Jean Paul (1978) – citado em
Liderança , aprenda a mudar em Grupo,de Maria Gayotto e Ideli Domingues,
Editora Vozes, 1996, pág. 22.
[21]
Cordes, Cardeal Paul, Reflexões sobre a Renovação Carismática Católica, Edições
Loyola, 1999
[22] Ghezzi, Bert, Se o Senhor não
construir, Edições Paulinas, 1976, pag 147 e 148
Nenhum comentário:
Postar um comentário