segunda-feira, 6 de abril de 2015

O BATISMO NO ESPÍRITO SANTO


Autor: Reinaldo Beserra dos Reis - Encontro Nacional de Reflexão Teológica
1. Batismo no Espírito Santo e experiência de fé.
Queremos fazer uma breve reflexão sobre o "batismo do ou no Espírito Santo", considerando que esta experiência é a que funda o que chamamos na atualidade de “movimento pentecostal”, corrente de renovação na qual se insere a Renovação Carismática Católica.
Nesta corrente de renovação, que possui na Igreja diversas matizes, existe uma convicção comum: que o batismo no Espírito Santo entendido como:
“Experiência concreta da graça de Pentecostes, na qual a ação do Espírito Santo torna-se realidade experimentada na vida do indivíduo e da comunidade de fé”[1].
É o acontecimento fundante do movimento pentecostal, e é destinado a todo cristão, tornando-se o princípio da “vida no Espírito” que se traduz no testemunho cristão de martírio e parresia. Esta convicção encontra seu argumento no Novo Testamento, sobretudo os Atos dos Apóstolos.
Durante todo esse tempo em que a experiência carismática atual acontece na comunidade eclesial a pergunta sobre o significado deste “batismo no Espírito Santo” é fundamental para manter o movimento dentro dessa “corrente de renovação” (Papa Paulo VI). A reflexão sobre essa “graça atual” e as possíveis respostas tem profundos reflexos na práxis do movimento carismático.
“A pergunta acerca do que significa o batismo no Espírito Santo é uma pergunta muito existencial. Para cada um de nós pode significar: será que nos queremos abrir para esse batismo? É também uma pergunta para a Igreja como um todo, no que se refere à sua vida íntima e ao seu testemunho para o mundo”.[2]
a) Uma experiência existencial, “de sentido”, “fascinação”
A definição do batismo no Espírito Santo dada pelo Cardeal Cordes está firmada na expressão “experiência”, portanto, é necessário refletir sobre o significado desta expressão.
Quero citar alguns autores que se debruçaram sobre essa questão:
O padre Henrique Vaz sj, eminente filósofo contemporâneo, faz uma observação de deve ser considerada ao respondermos esta pergunta. Em sua obra “Escritos de Filosofia I: problemas de fronteira” faz uma distinção entre “experiência religiosa e experiência de Deus”., afirmando que a experiência de Deus “trata-se do sentido radical”.
No entender do filósofo, a experiência religiosa está ligada ao fascínio e temor daquilo que é misterioso na natureza, redundando então num “sistema de representações” produzindo uma prática e comportamento que têm profunda influência do ambiente e das forças sociais que podem ser manipuladas (Durkheim[3]).
A diferença então sobre experiência religiosa e experiência de fé está no efeito que esta experiência produz no indivíduo que a sofre. Entende a experiência de fé como:
“(O) sentido radical ou absoluto na acepção mais estrita. [...] A experiência de Deus não é um luxo espiritual. Não é uma construção intelectual, cujo desenho apenas os iniciados de uma gnose privilegiada poderão seguir. Deus não é um fabuloso e distante Além que se alcança somente através de sutis e complicados roteiros especulativos e místicos. Se se distingue a experiência religiosa como experiência do Sagrado e a experiência de Deus como experiência do Sentido radical, então a experiência de Deus não se encerrará numa dimensão particular da existência, mesmo que se trate de uma dimensão fundamental. Ela deverá ocupar o espaço total onde as dimensões da existência – e da experiência – se desdobram. [...] A experiência cristã de Deus é, portanto, a experiência da fé em Jesus Cristo”[4].
Portanto a experiência de fé ou de sentido é determinante na existência do indivíduo, atingindo seus critérios de julgar, seus valores mais íntimos sobre os quais fundamenta seu ser. No entender de Karl Rhaner[5], trata-se de uma experiência existencial, determinante para o indivíduo a partir do momento em que ela (a experiência) ocorre.
Heribert Muhlen também se aproxima desta concepção, quando entende a experiência de sentido como fascínio.[6]
“Experiência é portanto, o conhecimento adquirido no múltiplo contato com homens e coisas , em oposição ao conhecimento meramente livresco. Neste sentido, a fé cristã não é apenas o recebimento de experiências alheias transmitidas mas o testemunho de fé de outros provoca no ouvinte , uma profunda comoção (At 2;37) e é só esta experiência inicial que , por sua vez leva à conversão e ao batismo (At2;38)”.
“Na comoção provocada adquire-se a certeza do conhecimento ; ‘...sim , verdadeiramente, este Jesus por vós crucificado , Deus o constituiu Senhor e Cristo !’ (At2,36). Esta profunda admiração, provocada pelo extraordinário nos prende e nos afasta, chamaremos, fascinação’”.
“A palavra ‘fascinação’, verbo latino ‘fascinare’ conjurar, enfeitiçar, encantar. Sentido de ‘ser atraído, ser cativado’. O que nos fascina, tem a tendência de apropriar-se de nós. Quanto maior for o seu valor, tanto maior também será a sua reivindicação a se nos impor, como poder.
Ao refletir sobre o fascínio não podemos passar ao largo de algumas outras experiências bíblicas que podem nos fazer compreender a relação “fascínio e experiência de sentido”:
  • Abraão ao ser conduzido “para fora” contempla as estrelas – Gênesis 15,5
  • O profeta Ezequiel seduzido pelo Senhor – Ezequiel 14,9
  • Pedro, João e Tiago fascinados pela transfiguração do Senhor, querem permanecer na montanha – Marcos 9,2ss e Mateus 17,2ss
b) Algumas conclusões iniciais:
A partir destas reflexões prévias alguns pontos referentes ao batismo no Espírito:
  • Batismo no Espírito Santo é uma experiência de sentido, ou seja, uma experiência que fundamenta, ou dá um sentido radical (se torna raiz, fundamento) ao “ser” do indivíduo que “sofre” tal experiência a partir do dado crítico.
  • A experiência do batismo no Espírito Santo é subjetiva, pois é própria do indivíduo. Não se pode “experimentar pelo outro”. Por isso ela é original em cada um.
  • Embora seja uma experiência subjetiva, possui sinais objetivos que autenticam tal experiência. Podemos citar quatro sinais mais significativos.
I.          Mudança de mentalidade: Uma profunda conversão que não se limita a uma mudança moral, mas de valores, critérios e fundamentos de vida. Conversão semelhante a sofrida por São Paulo, onde a iniciativa é da parte de Deus.
II.        Novo dinamismo espiritual: Esta “nova vida espiritual” se traduz num anseio de intimidade com Deus que se manifesta na busca de uma vida de oração e santidade. Numa valorização das coisas espirituais, como São Paulo insiste na sua carta aos Romanos 8,5.
III.       Impulso testemunhal: O Espírito é dado “para” e o primeiro sentido desta experiência é “ser testemunha”. O testemunho cristão se manifesta em dois sentidos: o martírio – “dar a vida por”, se necessário até o derramamento de sangue; e o anúncio audacioso do Evangelho acompanhado pelos sinais que autenticam a mensagem (carismas). Martírio e parresia tão necessários para a Evangelização dos tempos atuais.
IV.      Vida fraterna: A experiência do Espírito é uma experiência social, ou seja, o testemunho implica numa vida comunitária. O “ver” implica no amor fraterno que deve produz a “utopia evangélica”; não havia necessitados entre eles.
2. A expressão “batismo no Espírito Santo”
O termo "batismo no Espírito Santo" não é um "termo técnico" na Sagrada Escritura, mas a expressão "batizar no Espírito Santo" se encontra em todos os Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos.
No Evangelho de João é Jesus chamado "o que batiza no Espírito Santo" (1,33) e isso resume a sua missão, conforme o comentário da Bíblia de Jerusalém a esse versículo e também como o padre Raniero Cantalamessa recentemente em pregação por ocasião da Celebração do Batismo de Jesus, no Advento de 2007.
O teólogo holandês Piet SCHOONENBEERG, em artigo já citado, apresenta um inventário bastante completo sobre a validade deste termo, também secundado pelo eminente biblista brasileiro padre Ney Brasil Pereira.[7] Por isso sem a menor dúvida, a expressão “batismo no Espírito Santo” pode ser chamada bíblica, “aliás exclusivamente bíblica”.
Portanto não nos deteremos aqui na justificativa bíblica do termo, mas nos atemos aos aspectos experienciais do batismo no Espírito Santo e na centralidade desta experiência no movimento Renovação Carismática Católica.
3. Batismo no Espírito Santo e RCC
Para a RCC o batismo no Espírito Santo é um vir do Espírito e, com isso, uma união com Cristo; é um batismo que como dom vem a nós, que é experimentado e tem um efeito permanente, sobretudo quanto aos carismas. Esta experiência é central a RCC, sua especificidade e identidade.
Ao nos ater ao batismo no Espírito Santo segundo os seus efeitos, podemos, a partir do Novo Testamento, levantar alguns dados relevantes para o movimento:
a)    A experiência do batismo no espírito Santo é uma total realização, uma plenitude, uma superabundância, uma repleção. Nos Atos dos Apóstolos fala-se de um "ficar cheio" do Espírito Santo (2,4; 4,8 e 31; 7,55; 9,17; 13,9): é uma plenitude no mais íntimo do coração e em nossas faculdades.
Esta experiência é um contínuo derramar do Espírito, que ultrapassa o dado crítico, muitas vezes emocional (necessário). Derramar contínuo que se confunde, algumas vezes, com a “vida no Espírito”. Não se trata de um “ficar cheio”, mas “permanecer cheio”.
b)    Essa plenitude dada pelo Espírito e a união com Cristo são conscientes e reconhecíveis. Os cristãos de hoje vivem, muitas vezes fundados numa doutrina que aceitam, põem em prática formal (experiência religiosa), mas  não a vivenciam como princípio, pois não têm a “convicção” (não foram convencidos).
Paulo escreve aos Gálatas a esse respeito: "Recebestes o Espírito por virtude das obras da Lei ou por virtude da pregação da fé?" (3,2). Deve ter acontecido alguma coisa, quando eles começavam a crer: deve ter sido experimentável o recebimento do Espírito. Foi por isso também que Paulo pôde apontar a efusão do Espírito como prova da nossa filiação (Gl 4,4) e garantia da esperança (Rm 5,5).
c)    Faz parte da experiência de Pentecostes as manifestações dos carismas. Como atestam as manifestações das orações “em línguas” rompe as barreiras da nossa linguagem inteligível; as curas experimentadas e o dom de curar relativo a elas, etc.
Considerando o batismo no Espírito a identidade e missão da RCC, podemos inferir que esta experiência é normativa para o movimento, definindo assim “quem é e quem não é”.
A esse momento vale a pena uma citação mais longa de Reinaldo Beserra dos Reis[8]:
Aquilo que identifica, que distingue a Renovação Carismática Católica dentre outras expressões da Igreja (Movimentos, Pastorais, Organismos, Associações, etc), é a leitura, a maneira como ela interpreta o significado do Pentecostes histórico ocorrido em Jerusalém logo após a ascensão de Jesus. E a RCC - e não somente ela! - identifica esse evento ocorrido naquela festa de Pentecostes com o chamado batismo no Espírito Santo, especialmente em decorrência da afirmação do próprio Jesus, quando ordenou aos apóstolos "que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem aí o cumprimento da promessa de seu Pai, 'que ouvistes, disse ele, da minha boca: porque João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias! (...)...pois descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo”. (Atos 1,4-5.8)
Esse texto, juntamente com outros consignados no Novo Testamento[9] constituem, por assim dizer, o núcleo essencial da experiência que marca aqueles que se identificam com o Movimento. Com a conseqüente manifestação dos carismas que o Espírito houver por bem conceder, dão visibilidade à própria identidade da RCC, pois, a pertença ao que chamamos de Renovação Carismática não se realiza primordialmente através de uma opção por um tipo diferenciado de espiritualidade, ou da aceitação de uma doutrina e de uma liturgia com tinturas de emocionalismo, de cânticos alegres, de louvores efusivos, mas sim através de uma experiência, de um novo encontro com uma pessoa divina, que dá à nossa vida um novo horizonte espiritual, um novo envio, um novo impulso missionário, uma acelerada disposição em nosso processo de conversão pessoal rumo à santidade... ao que chamamos batismo no Espírito Santo!



[1] CORDES, D. Paul Josef, Reflexões sobre a Renovação Carismática Católica, Edições Loyola – 1999, p 23
[2] SCHOONENBEERG, Piet sj, “O batismo no Espírito Santo”, texto publicado em “A Experiência do Espírito Santo” – Editora Vozes, 1979
[3] DURKHEIM, Émile – 1858 – 1917 – sociólogo Positivista-Funcionalista.
[4] VAZ, Henrique C. de Lima sj, “Escritos de Filosofia I: Problemas de fronteira” – Coleção Filosofia, Edições Loyola, 196, pp 241 – 256.
[5] RHANER, Karl sj, “Experiência do Espírito e decisão existencial”, texto publicado em “A Experiência do Espírito Santo” – Editora Vozes, 1979
[6] MUHLEN, Heribert, “Fé cristã renovada: carisma, Espírito, libertação”, Edições Loyola, 1975, pp 95 – 140.
[7] PEREIRA, Ney Brasil, padre, “O Batismo no Espírito Santo”, em “Revista de Cultura Bíblica”, vol. XX – n. 77/78, 1996, São Paulo – Edições Loyola.
[8] REIS, Reinaldo Beserra dos, Texto do Congresso Teológico Pastoral da RCC, ano de 2006 – São Paulo.
[9] Mt 3, 11; Lc 3, 16; Mc 1,7-8;Jo 1,33; At 11.16, e 1Cor 12,13

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