Autor: Reinaldo Beserra dos Reis - Encontro Nacional de Reflexão Teológica
1. Batismo no Espírito Santo e experiência de fé.
Queremos fazer uma
breve reflexão sobre o "batismo do ou no Espírito Santo", considerando
que esta experiência é a que funda o que chamamos na atualidade de “movimento
pentecostal”, corrente de renovação na qual se insere a Renovação Carismática
Católica.
Nesta corrente de
renovação, que possui na Igreja diversas matizes, existe uma convicção comum: que
o batismo no Espírito Santo entendido como:
“Experiência concreta
da graça de Pentecostes, na qual a ação do Espírito Santo torna-se realidade
experimentada na vida do indivíduo e da comunidade de fé”[1].
É o acontecimento fundante
do movimento pentecostal, e é destinado a todo cristão, tornando-se o princípio
da “vida no Espírito” que se traduz no testemunho cristão de martírio e
parresia. Esta convicção encontra seu argumento no Novo Testamento, sobretudo
os Atos dos Apóstolos.
Durante todo esse tempo em que a
experiência carismática atual acontece na comunidade eclesial a pergunta sobre
o significado deste “batismo no Espírito Santo” é fundamental para manter o
movimento dentro dessa “corrente de renovação” (Papa Paulo VI). A reflexão sobre
essa “graça atual” e as possíveis respostas tem profundos reflexos na práxis do
movimento carismático.
“A pergunta acerca do que significa
o batismo no Espírito Santo é uma pergunta muito existencial. Para cada um de
nós pode significar: será que nos queremos abrir para esse batismo? É também
uma pergunta para a Igreja como um todo, no que se refere à sua vida íntima e
ao seu testemunho para o mundo”.[2]
a) Uma experiência existencial, “de sentido”, “fascinação”
A definição do batismo no Espírito
Santo dada pelo Cardeal Cordes está firmada na expressão “experiência”,
portanto, é necessário refletir sobre o significado desta expressão.
Quero citar alguns autores que se
debruçaram sobre essa questão:
O padre Henrique Vaz sj, eminente
filósofo contemporâneo, faz uma observação de deve ser considerada ao
respondermos esta pergunta. Em sua obra “Escritos de Filosofia I: problemas de
fronteira” faz uma distinção entre “experiência religiosa e experiência de
Deus”., afirmando que a experiência de Deus “trata-se do sentido radical”.
No entender do filósofo, a
experiência religiosa está ligada ao fascínio e temor daquilo que é misterioso
na natureza, redundando então num “sistema de representações” produzindo uma
prática e comportamento que têm profunda influência do ambiente e das forças sociais
que podem ser manipuladas (Durkheim[3]).
A diferença então sobre experiência
religiosa e experiência de fé está no efeito que esta experiência produz no
indivíduo que a sofre. Entende a experiência de fé como:
“(O) sentido radical ou absoluto na
acepção mais estrita. [...] A experiência de Deus não é um luxo espiritual. Não
é uma construção intelectual, cujo desenho apenas os iniciados de uma gnose
privilegiada poderão seguir. Deus não é um fabuloso e distante Além que se alcança
somente através de sutis e complicados roteiros especulativos e místicos. Se se
distingue a experiência religiosa como experiência do Sagrado e a experiência
de Deus como experiência do Sentido radical, então a experiência de Deus não se
encerrará numa dimensão particular da existência, mesmo que se trate de uma
dimensão fundamental. Ela deverá ocupar o espaço total onde as dimensões da
existência – e da experiência – se desdobram. [...] A experiência cristã de
Deus é, portanto, a experiência da fé em Jesus Cristo”[4].
Portanto a experiência de fé ou
de sentido é determinante na existência do indivíduo, atingindo seus critérios
de julgar, seus valores mais íntimos sobre os quais fundamenta seu ser. No
entender de Karl Rhaner[5],
trata-se de uma experiência existencial, determinante para o indivíduo a partir
do momento em que ela (a experiência) ocorre.
Heribert Muhlen também
se aproxima desta concepção, quando entende a experiência de sentido como
fascínio.[6]
“Experiência é portanto,
o conhecimento adquirido no múltiplo contato com homens e coisas , em oposição
ao conhecimento meramente livresco. Neste sentido, a fé cristã não é apenas o
recebimento de experiências alheias transmitidas mas o testemunho de fé de
outros provoca no ouvinte , uma profunda comoção (At 2;37) e é só esta
experiência inicial que , por sua vez leva à conversão e ao batismo (At2;38)”.
“Na comoção provocada
adquire-se a certeza do conhecimento ; ‘...sim , verdadeiramente, este Jesus
por vós crucificado , Deus o constituiu Senhor e Cristo !’ (At2,36). Esta
profunda admiração, provocada pelo extraordinário nos prende e nos afasta,
chamaremos, ‘fascinação’”.
“A palavra ‘fascinação’, verbo latino ‘fascinare’
conjurar, enfeitiçar, encantar. Sentido de ‘ser atraído, ser cativado’. O que
nos fascina, tem a tendência de apropriar-se de nós. Quanto maior for o seu
valor, tanto maior também será a sua reivindicação a se nos impor, como poder.
Ao refletir sobre o
fascínio não podemos passar ao largo de algumas outras experiências bíblicas
que podem nos fazer compreender a relação “fascínio e experiência de sentido”:
- Abraão
ao ser conduzido “para fora” contempla as estrelas – Gênesis 15,5
- O
profeta Ezequiel seduzido pelo Senhor – Ezequiel 14,9
- Pedro,
João e Tiago fascinados pela transfiguração do Senhor, querem permanecer
na montanha – Marcos 9,2ss e Mateus 17,2ss
b) Algumas conclusões iniciais:
A partir destas
reflexões prévias alguns pontos referentes ao batismo no Espírito:
- Batismo
no Espírito Santo é uma experiência de sentido, ou seja, uma experiência
que fundamenta, ou dá um sentido radical (se torna raiz, fundamento) ao
“ser” do indivíduo que “sofre” tal experiência a partir do dado crítico.
- A
experiência do batismo no Espírito Santo é subjetiva, pois é própria do
indivíduo. Não se pode “experimentar pelo outro”. Por isso ela é original
em cada um.
- Embora
seja uma experiência subjetiva, possui sinais objetivos que autenticam tal
experiência. Podemos citar quatro sinais mais significativos.
I.
–
Mudança de mentalidade: Uma profunda
conversão que não se limita a uma mudança moral, mas de valores, critérios e
fundamentos de vida. Conversão semelhante a sofrida por São Paulo, onde a
iniciativa é da parte de Deus.
II.
–
Novo dinamismo espiritual: Esta
“nova vida espiritual” se traduz num anseio de intimidade com Deus que se
manifesta na busca de uma vida de oração e santidade. Numa valorização das
coisas espirituais, como São Paulo insiste na sua carta aos Romanos 8,5.
III.
–
Impulso testemunhal: O Espírito é
dado “para” e o primeiro sentido desta experiência é “ser testemunha”. O
testemunho cristão se manifesta em dois sentidos: o martírio – “dar a vida
por”, se necessário até o derramamento de sangue; e o anúncio audacioso do
Evangelho acompanhado pelos sinais que autenticam a mensagem (carismas).
Martírio e parresia tão necessários para a Evangelização dos tempos atuais.
IV.
–
Vida fraterna: A experiência do
Espírito é uma experiência social, ou seja, o testemunho implica numa vida
comunitária. O “ver” implica no amor fraterno que deve produz a “utopia
evangélica”; não havia necessitados entre eles.
2. A expressão “batismo no Espírito Santo”
O termo "batismo no Espírito
Santo" não é um "termo técnico" na Sagrada Escritura, mas a
expressão "batizar no Espírito Santo" se encontra em todos os Evangelhos
e nos Atos dos Apóstolos.
No Evangelho de João é Jesus
chamado "o que batiza no Espírito Santo" (1,33) e isso resume a sua
missão, conforme o comentário da Bíblia de Jerusalém a esse versículo e também
como o padre Raniero Cantalamessa recentemente em pregação por ocasião da Celebração
do Batismo de Jesus, no Advento de 2007.
O teólogo holandês Piet SCHOONENBEERG, em
artigo já citado, apresenta um inventário bastante completo sobre a validade
deste termo, também secundado pelo eminente biblista brasileiro padre Ney
Brasil Pereira.[7]
Por isso sem a menor dúvida, a expressão “batismo no Espírito Santo” pode ser
chamada bíblica, “aliás exclusivamente bíblica”.
Portanto não nos deteremos aqui na
justificativa bíblica do termo, mas nos atemos aos aspectos experienciais do
batismo no Espírito Santo e na centralidade desta experiência no movimento
Renovação Carismática Católica.
3. Batismo no
Espírito Santo e RCC
Para a RCC o batismo no Espírito
Santo é um vir do Espírito e, com isso, uma união com Cristo; é um batismo que
como dom vem a nós, que é experimentado e tem um efeito permanente, sobretudo
quanto aos carismas. Esta experiência é central a RCC, sua especificidade e
identidade.
Ao nos ater ao batismo no Espírito
Santo segundo os seus efeitos, podemos, a partir do Novo Testamento, levantar
alguns dados relevantes para o movimento:
a)
A experiência do batismo no espírito Santo é uma total realização,
uma plenitude, uma superabundância, uma repleção. Nos Atos dos Apóstolos
fala-se de um "ficar cheio" do Espírito Santo (2,4; 4,8 e 31; 7,55;
9,17; 13,9): é uma plenitude no mais íntimo do coração e em nossas faculdades.
Esta experiência é um contínuo
derramar do Espírito, que ultrapassa o dado crítico, muitas vezes emocional
(necessário). Derramar contínuo que se confunde, algumas vezes, com a “vida no
Espírito”. Não se trata de um “ficar cheio”, mas “permanecer cheio”.
b)
Essa plenitude dada pelo Espírito e a união com Cristo são
conscientes e reconhecíveis. Os cristãos de hoje vivem, muitas vezes fundados
numa doutrina que aceitam, põem em prática formal (experiência religiosa),
mas não a vivenciam como princípio, pois
não têm a “convicção” (não foram convencidos).
Paulo
escreve aos Gálatas a esse respeito: "Recebestes o Espírito por virtude
das obras da Lei ou por virtude da pregação da fé?" (3,2). Deve ter
acontecido alguma coisa, quando eles começavam a crer: deve ter sido
experimentável o recebimento do Espírito. Foi por isso também que Paulo pôde
apontar a efusão do Espírito como prova da nossa filiação (Gl 4,4) e garantia
da esperança (Rm 5,5).
c)
Faz parte da experiência de Pentecostes as manifestações dos
carismas. Como atestam as manifestações das orações “em línguas” rompe as
barreiras da nossa linguagem inteligível; as curas experimentadas e o dom de
curar relativo a elas, etc.
Considerando o batismo no Espírito
a identidade e missão da RCC, podemos inferir que esta experiência é normativa
para o movimento, definindo assim “quem é e quem não é”.
A esse momento vale a pena uma
citação mais longa de Reinaldo Beserra dos Reis[8]:
Aquilo que identifica, que
distingue a Renovação Carismática Católica dentre outras expressões da Igreja
(Movimentos, Pastorais, Organismos, Associações, etc), é a leitura, a maneira
como ela interpreta o significado do Pentecostes histórico ocorrido em
Jerusalém logo após a ascensão de Jesus. E a RCC - e não somente ela! -
identifica esse evento ocorrido naquela festa de Pentecostes com o chamado
batismo no Espírito Santo, especialmente em decorrência da afirmação do próprio
Jesus, quando ordenou aos apóstolos "que não se afastassem de Jerusalém,
mas que esperassem aí o cumprimento da promessa de seu Pai, 'que ouvistes,
disse ele, da minha boca: porque João batizou na água, mas vós sereis batizados
no Espírito Santo daqui a poucos dias! (...)...pois descerá sobre vós o Espírito
Santo e vos dará força e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a
Judéia e Samaria e até os confins do mundo”. (Atos 1,4-5.8)
Esse texto, juntamente com outros
consignados no Novo Testamento[9]
constituem, por assim dizer, o núcleo essencial da experiência que marca
aqueles que se identificam com o Movimento. Com a conseqüente manifestação dos
carismas que o Espírito houver por bem conceder, dão visibilidade à própria
identidade da RCC, pois, a pertença ao que chamamos de Renovação Carismática
não se realiza primordialmente através de uma opção por um tipo diferenciado de
espiritualidade, ou da aceitação de uma doutrina e de uma liturgia com tinturas
de emocionalismo, de cânticos alegres, de louvores efusivos, mas sim através de
uma experiência, de um novo encontro com uma pessoa divina, que dá à nossa vida
um novo horizonte espiritual, um novo envio, um novo impulso missionário, uma
acelerada disposição em nosso processo de conversão pessoal rumo à santidade...
ao que chamamos batismo no Espírito Santo!
[1] CORDES, D. Paul Josef, Reflexões sobre a
Renovação Carismática Católica, Edições Loyola – 1999, p 23
[2] SCHOONENBEERG, Piet sj, “O batismo no
Espírito Santo”, texto publicado em “A Experiência do Espírito Santo” – Editora
Vozes, 1979
[3] DURKHEIM, Émile – 1858 – 1917 –
sociólogo Positivista-Funcionalista.
[4] VAZ, Henrique C. de Lima sj, “Escritos
de Filosofia I: Problemas de fronteira” – Coleção Filosofia, Edições Loyola,
196, pp 241 – 256.
[5] RHANER, Karl sj, “Experiência do
Espírito e decisão existencial”, texto publicado em “A Experiência do Espírito
Santo” – Editora Vozes, 1979
[6] MUHLEN, Heribert, “Fé cristã renovada:
carisma, Espírito, libertação”, Edições Loyola, 1975, pp 95 – 140.
[7] PEREIRA, Ney Brasil, padre, “O Batismo
no Espírito Santo”, em “Revista de Cultura Bíblica”, vol. XX – n. 77/78, 1996,
São Paulo – Edições Loyola.
[8] REIS, Reinaldo Beserra dos, Texto do
Congresso Teológico Pastoral da RCC, ano de 2006 – São Paulo.
[9] Mt 3, 11; Lc 3, 16; Mc
1,7-8;Jo 1,33; At 11.16, e 1Cor 12,13
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