terça-feira, 4 de novembro de 2014

É LÍCITO CANTAR CANÇÕES EVANGÉLICAS?




Meus amigos e amigas, que a paz de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo permaneça com cada um de vocês.

Depois de ler vários comentários sobre o áudio que eu fiz a respeito da licitude do uso de canções de autores que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica, eu tenho agora a oportunidade de retomar o tema e fazer pequenos aprofundamentos em algumas questões.

Eu não pude tratar diretamente sobre o tema do Ecumenismo naquele áudio e infelizmente também não posso fazer isso nesse artigo agora porque ele ficaria muito longo e eu não atingiria o meu objetivo que é refletir especificamente sobre o tema das canções.

A afirmação categórica que eu quero fazer aqui é a seguinte: No Culto Católico – e eu uso a palavra “culto” para abranger todas as assembleias de oração existentes na nossa Igreja, quer elas sejam litúrgicas, quer não – a canção precisa ser necessariamente e 100% Católica! Repito: No Culto Católico a canção usada precisa ser 100% Católica.

Muito bem. E o que faz uma canção ser 100% Católica?

1.       Ela precisa estar de acordo com o Depósito da Fé da Igreja Católica, custodiado pelo Magistério da Igreja. Esse depósito é constituído pela Revelação presente nas Sagradas Escrituras e na Sagrada Tradição.
2.       No caso da Assembleia Litúrgica, além de reta doutrina, a canção deve ter melodia apropriada e deve estar de acordo com o sentido da ação litúrgica que se celebra.

E a autoria? Não é um critério pra que uma produção artística seja considerada “católica”?

O Autor nunca foi e nunca será a garantia de que um determinado conteúdo é ou não “Católico”. Vou citar um exemplo: Orígenes! Orígenes é um dos padres da Igreja do século III. Dele – de Orígenes – nós lemos coisas simplesmente maravilhosas que exprimem o verdadeiro conteúdo “Católico”. Aliás, ninguém passa pelo estudo da patrística ou da patrologia desconsiderando Orígenes e os seus escritos. Por outro lado, Orígenes sustentou a heresia gnóstica e esse é um dos motivos pelo qual esse valiosíssimo Padre da Igreja não foi canonizado: Porque nem tudo o que ele disse e escreveu era católico.

Recentemente eu fui presenteado com um CD de um músico católico ligado à RCC de Honduras. Numa determinada canção, cujo tema é a Eucaristia, a canção diz assim: “Pedaço de Pão, Pedaço de carne...” traçando um paralelo entre o antes e o depois da transubstanciação. Embora o autor seja “Católico”, essa música “não é católica” porque a Eucaristia não é “um pedaço da carne de cristo” “um pedaço de alguma parte do corpo de Cristo”, mas o “Christus Totus”, o “Cristo TODO”, independentemente do tamanho da partícula.

Por outro lado, nós há pessoas que não são católicas produzindo conteúdos artísticos verdadeiramente “católicos”? Sim! Aliás, desde antes de Cristo existe gente produzindo conteúdo “cristão”! Eu sei que essa frase pode ter chocado um pouco a sua lógica – ou a sua falta de lógica, talvez. Por isso, vou fundamentar minha afirmação.

A luz da Fé – Lumen Fidei – cujo conteúdo é a Revelação, quando lançada sobre a realidade humana, consegue perceber, nas mais variadas expressões culturais, “partes”, “resquícios” da verdade objetiva. São Justino Mártir chamou esses resquícios de “Sementes do Verbo”.

O mesmo São Justino Mártir, exímio filósofo do Século II, foi capaz de exclamar: “São Sócrates, rogai por nós”. E quem era Sócrates? Sócrates era um filósofo grego – portanto, um pagão – que não tomou conhecimento da revelação de Deus a Israel e muito menos da revelação cristã (até porque provavelmente ele nasceu em 469 a.C neh). E sabe porque São Justino faz esta exclamação São Sócrates, Rogai por nós? Porque Sócrates foi assassinado por causa da verdade. Ele começou a ensinar, dentre outras coisas, que aquela fanfarra de deuses gregos no panteão era contra a razão... E... Sócrates defendia a existência de um único Deus. Morreu sendo acusado de corruptor da juventude. São Justino considera Sócrates um mártir de Cristo, porque Ele, Jesus, é a VERDADE, e toda a verdade procede do Espírito Santo!

O período escolástico foi precedido e permeado por uma séria discussão no que se refere ao uso da filosofia – ou dá lógica, pra gente manter o mesmo termo que os autores dessa época usavam – pro ensino da fé cristã. Os principais autores católicos desse período se utilizaram da filosofia pagã nas suas reflexões.

O principal autor desse período é São Tomás de Aquino, Doutor da Igreja e autor da Suma Teológica. São Tomás marcou pra sempre a vida da Igreja. Na Encíclica Fides et Ratio – Fé e Razão – São João Paulo II fala da necessidade de que a Igreja retome com ardor o estudo do Tomismo.

São Tomás de Aquino afirmou o seguinte:

“Toda verdade, dita por quem quer que seja, vem do Espírito Santo.”
Ele diz ainda, sobre o tema da verdade: ““não olhes por quem são ditas, mas o que dizem
O principal autor utilizado por São Tomás foi o pagão Aristóteles, que, dentre outros erros, disse que a matéria era eterna (portanto, não criada) e por aí vai. Apesar de ter, nos seus escritos, erros muito graves doutrinariamente falando, uma boa “parte” do que ele escreveu – e no caso de Aristóteles é uma boa parte MESMO – é a mais pura verdade. Mesmo que Aristóteles não fosse católico, seus ensinos hoje são praticamente obrigatórios pra qualquer um que queria ser sacerdote na Igreja.

É baseado nisso que o Catecismo da Igreja Católica vai afirmar que o homem é “capaz de Deus”
e que ele pode chegar ao conhecimento da existência de Deus pelo reto uso da sua razão.  Desse modo, ainda que isso seja um mistério pra nós, percebemos que a verdade independe do caráter da pessoa que a pronuncia. Esse é o esplendor da verdade, que SEMPRE procede do Espírito Santo.

Dito isto, eu quero dar um passo adiante:

Se autores que nem sequer são cristãos podem, de alguma forma, nos enriquecer no conhecimento verdade, o que dizer dos cristãos? Há produções de autores cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica que são “católicas”? Você, que é inteligente, já deve estar balançando a sua cabeça positivamente enquanto me ouve fazer a pergunta, neh?! É evidente que sim! Nós encontramos obras artísticas que nos enriquecem profundamente no conhecimento da verdade que são oriundas de autores ortodoxos e protestantes no campo da Teologia e da Fé!

Eu quero ler aqui um pequeno trecho do Documento Conciliar Unitatis Redintegratio. A partir do parágrafo 4 o documento diz assim:

Por outro lado, é mister que os católicos reconheçam com alegria e estimem os bens verdadeiramente cristãos, oriundos de um patrimônio comum, que se encontram nos irmãos de nós separados. É digno e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e as obras de virtude na vida de outros que dão testemunho de Cristo, às vezes até à efusão do sangue. Deus é, com efeito, sempre admirável e digno de admiração em Suas obras.
Vejam só: O Documento diz: Deus é, com efeito, sempre admirável e digno de admiração em Suas obras. A pessoa que escreveu, compôs ou seja lá o que for, não está em plena comunhão, o que é muito triste. Mas, ali, naquele conteúdo que procede do nosso patrimônio comum, essa obra pode ser considerada como inspirada pelo Espírito Santo, o que significa dizer que ela pode ser considerada como obra de Deus!
Vamos seguir a leitura:
Nem se passe por alto o fato de que tudo o que a graça do Espírito Santo realiza nos irmãos separados pode também contribuir para a nossa edificação. Tudo o que é verdadeiramente cristão jamais se opõe aos bens genuínos da fé, antes sempre pode fazer com que mais perfeitamente se compreenda o próprio mistério de Cristo e da Igreja.

O Espírito Santo, autor da Verdade, age nos irmãos de nós separados e o que Ele faz lá, por meio deles, pode muito bem contribuir para a nossa edificação, nos ajudando a crescer na nossa compreensão acerca do mistério de Cristo e da Igreja!

Antes de seguir adiante e avançar no tema falando desde a ótica do Movimento Carismático, eu quero formular alguns pensamentos diante da indagação que eu mais recebi até agora sobre esse assunto. A indagação é a seguinte – e eu vou formular ela do jeito que muitos a tem formulado pra mim: Se existe uma infinidade de conteúdo de autores católicos, porque ler ou escutar um autor que não seja católico?

Vou elencar alguns porquês:

1.       Porque a verdade provém do Espírito Santo. Por causa do autor da Verdade, o Espírito Santo, toda a verdade é digna de ser lida e ouvida. Existe a questão pastoral e pedagógica também, que precisa ser levada em conta... É verdade que o “povão” não tem formação e que se confunde? É verdade sim. Eu só acho que isso se resolve promovendo formação doutrinária ao invés de uma alfândega para a ação do Espírito Santo. Pergunte-se: O que está sendo dito é a verdade? O conteúdo é “católico”? Então, ele pode muito bem ser bem-vindo. Amigos, a culpa é do Espírito Santo, que fica inspirando essa gente por aí... E se o Espírito Santo é Deus... Eu prestaria atenção no que Ele diz, se eu fosse você, mesmo que seja por meio de alguém que você não goste ou por meio de alguém com quem você não vai muito com a cara. É Deus falando, gente!
2.       Outro porque pra essa indagação: Porque embora nós tenhamos o “Christus Totus” na nossa doutrina, a compreensão dessa doutrina não é algo estagnado, mas está em constante progresso. É por isso que Unitatis Redintegratio afirma que os autores “não-católicos” podem nos ajudar na compreensão do mistério de Cristo. O Papa Bento XVI, no seu último discurso falando ao clero de Roma, disse que os exegetas protestantes fizeram avanços importantíssimos nessa área enquanto os católicos andavam meio que “estagnados”, motivo pelo qual havia uma grande expectativa no Concílio Vaticano II – e eu estou falando de Bento XVI, hein. O Papa usou profundamente a obra de um Rabino em seu livro Jesus de Nazaré. O Frei Raniero Cantalamessa cita Kierkegaard e outros autores em dezenas de livros. O Pe. Fortea, um dos exorcistas mais renomados do mundo, citou o importante trabalho de autores pentecostais evangélicos sobre o assunto da “Batalha Espiritual” num pronunciamento que ele fez a Padres reunidos num Congresso. Ora, meus amigos: Por que é que esses homens perdem seu tempo lendo esses autores se existe um sem fim de obras de autores católicos pra serem lidas, não é mesmo? Por que será? Porque há, em outras tradições cristãs, riquezas que podem iluminar a nossa compreensão do mistério de Cristo e da Igreja das quais esses homens humildes e sábios não querem se abster!
3.       Vamos a um terceiro porquê pra essa indagação: Porque as obras e movimentos oriundos de meios “não católicos” se mostraram importantíssimas na vida da Igreja recentemente. Três grandes movimentos precederam o Concílio Vaticano II: O Movimento Ecumênico, o Movimento Bíblico e o Movimento Litúrgico. Desses três, dois deles nasceram no protestantismo. Esses três movimentos foram inspirações poderosas para o Concílio Vaticano II. Além disso, o maior Movimento Eclesial da Igreja Católica recente, a Renovação Carismática, nasceu sob influência do Movimento Pentecostal nascido no meio Protestante!
4.       Um último porquê que eu ofereço pra essa indagação: Porque muitas vezes – infelizmente – os argumentos de muitos músicos e escritores católicos – que desejam proibir o acesso a autores não católicos – são em preocupações puramente mercadológicas.

Outra alegação – e vou formular do mesmo jeito que a questão foi formulada pra mim, é a seguinte: Por que vou ler ou escutar um autor que pode me conduzir ao erro, uma vez que ele não possui a verdade plena? E como poderia eu recomendar a leitura de um autor assim para outra pessoa? Vamos as respostas:

1.       Porque o Espírito Santo não é Deus de confusão. Se Ele está falando, eu quero escutá-lo, na certeza de que, enquanto é Ele quem fala, o conteúdo pode me edificar, ao invés de me confundir. Isso pressupõe conhecimento da doutrina da fé, é evidente, e a solução pra essa necessidade se chama ESTUDO ao invés de alfândega, proibição e desaconselhamento.
2.       Outro porquê: Porque o fato de um autor não possuir a verdade plena ou possuir graves erros não significa que ele não possua “verdade alguma”. Aliás, é por isso que podemos ler Sócrates (que era pagão), Aristóteles (que era pagão), Platão (que era pagão), Plotino (que era pagão), Flávio Josefo (que era judeu), Orígenes (que era católico), Alexander Mien (que era ortodoxo), C.S. Lewis (que era protestante) e tantos outros. A verdade é sempre digna da nossa atenção!
3.       Mais um porquê pra essa indagação: Porque se eu conheço um amigo ou amiga e sei do seu preparo doutrinário, posso muito bem indicar uma obra que seja edificante, mesmo que o autor da mesma não seja católico. Muitas vezes a gente indica alguns autores que eu citei antes sem nenhum tipo de remorso – C.S. Lewis e outros – quando esses caras, sem exceção alguma, possuíram graves erros de doutrina. Mesmo assim, não sentimos peso ou remorso por isso. Por que agimos assim... Com dois pesos e duas medidas? Qual é o motivo de nossa falta de caráter? Qual é o real critério que a gente deve empregar: Não é a doutrina? E porque a gente quer criar alfândegas que a Igreja mesmo não cria?
4.       Um último porquê: Porque não se ensina a verdade colocando um tampão nos ouvidos e nos olhos dos outros pra que eles não vejam nem escutem opiniões contrárias. Eu bem sei que membros da Igreja agiram assim em determinados momentos da história e sei, também, que há movimentos, institutos e congregações que agem assim até hoje, empobrecendo o livre exercício do pensar nos seus membros. Mas a solução para formar um povo de reta doutrina é: Dar formação ao invés de proibir ou “não recomendar” o acesso.

Uma última alegação que eu quero responder aqui: Mas a gente não pode preferir músicos católicos, priorizar músicos católicos, incentivar as canções de autores católicos? Não somente a gente pode como a gente deve! Valorizar aquilo que os irmãos que lutam lado a lado com a gente nos nossos grupos de oração é, no mínimo, justo e necessário! Eu aproveito aqui pra deixar bem claro: É ISSO QUE DEVE SER FEITO! O que não pode acontecer é a gente atrelar esse incentivo dos nossos a uma proibição daqueles que embora não estando em comunhão plena, também podem nos edificar, porque esse tipo de proibição ou desaconselhamento – que, na práxis, funciona como uma proibição -  a Igreja não faz! O que é preferência nossa e valorização dos nossos irmãos que batalham lado a lado com a gente deve sempre ter esse caráter: O de preferência e valorização!

Veicular e divulgar escritos e vídeos de autores protestantes que vão diretamente contra a nossa fé ou que nos ofendem com o intuito de que os católicos rejeitem qualquer coisa que venha de um autor protestante é incitar o ódio, a rejeição, e é ir contra as recomendações do Documento Conciliar Unitatis Redintegratio. Todos os protestantes são protestantes porque não crêem na eficácia dos sacramentos, não aceitam a primazia do Papa, não crêem na comunhão dos santos, não veneram a virgem Maria e por aí vai. A Igreja, tendo conhecimento disso, diz que, naquilo que nós temos em comum – Fé na Santíssima Trindade, na salvação em Jesus Cristo, e em inúmeros outros artigos de fé – eles podem nos edificar – e de fato nos edificam, se a gente for humilde o suficiente pra permitir isso ... E vc vai querer justificar o contrário, meu amigo? Vai querer colocar em relevo aquilo que entre nós só gera desavença e dor a fim de apagar aquilo que o Espírito Santo reconhecidamente faz nascer no meio deles? Eu convidaria vc que já agiu assim a buscar um bom sacerdote e se confessar... 

Muito bem! Vamos avançar:

Eu entendo quando um católico tradicionalista toma uma posição arredia nesse campo – embora eu conheça vários de uma linha mais conservadora e de viés tradicionalista que reconhecem o maravilhoso legado luterano, anglicano e metodista no campo das artes (sobretudo na música). O que eu não posso aceitar e acho ser simplesmente inconcebível é ver um posicionamento arredio por parte de católicos afins à Renovação Carismática. No caso dos carismáticos... A oposição a tudo o que tenho exposto até agora é de uma ignorância que não tem tamanho e eu me sinto consternado com isso.

A questão ecumênica não é periférica, mas central e essencial na RCC. Eu já tive a oportunidade de afirmar isso antes e vou repetir: Se o fato de um conteúdo ou experiência ser “protestante” é suficiente pra ser rejeitada... Então eu preciso concordar com o finado Prof. Orlando Fedeli e dizer aqui, em alto e bom tom, que a RCC é a fumaça de Satanás dentro da Igreja Católica! Por quê?
1.       Por que a RCC nasceu inegavelmente do Pentecostalismo Evangélico. Aqueles três professores batizados no Espírito Santo que organizaram o retiro de Dusquene leram livros evangélicos, frequentaram reuniões de oração evangélicas em casas de família e convidaram uma palestrante evangélica pro retiro de Duquesne!
2.       Nos inícios da RCC havia grupos frequentados por católicos e evangélicos juntos. Houve um grande congresso em 1977 no Kansas realizado por Católicos e Evangélicos – Aliás, diga-se de passagem, foi nesse congresso que o Frei Raniero Cantalamessa experimentou o primeiro impacto da experiência carismática.
3.       Eu ouvi da boca do Pe. Eduardo Dougherty, do Pe. Haroldo Rahm, do Reinaldo Beserra e do Tatá, meus amigos, que pastores evangélicos eram convidados a pregar nos nossos primeiros congressos e que membros de igrejas evangélicas participavam como conselheiros.
4.       Grande parte das músicas e da literatura usadas pela RCC por 40 anos era evangélica. Muitos dos nossos livros e apostilas oficiais possuem, em suas fontes bibliográficas, citações de livros de autores evangélicos.
Mas, não se preocupem, meus amigos. É porque toda a verdade vem do Espírito Santo independente da pessoa que a pronuncia que nós podemos nos tranquilizar. A Igreja teve a capacidade de acolher a experiência pentecostal, recolher aquilo que era bom, rejeitar aquilo que não condiz com a nossa tradição e, assim, nós temos a RCC.  E este era o critério de ontem, é o critério de hoje e será o critério de amanhã e de sempre!
Eu quero agora, por fim, abordar a questão da licitude ou não de canções de autores não católicos nas Assembleias litúrgicas, sobretudo na Missa.
1.       Tudo que falamos até agora deve ser aplicado igualmente para a celebração Eucarística.
2.       Uma canção não se torna apta para a liturgia em virtude de seu autor, mas sim por seu conteúdo e melodia, que devem atender ao sentido litúrgico.
O livro de cânticos mais tradicional da Alemanha – O Gotteslob - pra citar um exemplo, tem músicas de autoria católica, luterana, e outras que não se sabe ao certo a proveniência do autor. Os alemães são tão metódicos e organizados que essas canções (as que não se sabe ao certo a autoria) estão dispostas com a mesma numeração tanto na versão católica quanto na versão luterana. Nos Estados Unidos esse livro foi traduzido ao inglês e é usado nas celebrações litúrgicas. Há canções desse livro traduzidas e cantadas na língua portuguesa que são de autoria protestante. Cito, por exemplo, o belíssimo hino “Deus Eterno a vós Louvor”.
Vou afirmar aqui sem medo algum: Há canções de autores protestantes muito mais apropriadas para a liturgia que certas canções de autores católicos por aí.

Mas até agora eu fiz citações de obras e autores do Protestantismo Clássico. Para que ninguém use essa desculpa, cito também algumas obras maravilhosas de autores do Pentecostalismo Clássico:

1.       Cito a Cantata Vento Livre da Igreja Batista do Morumbi, composta por Guilherme Kerr, Jorge Camargo, Jorge Rehder, João Alexandre e Nelson Bomilcar, com algumas canções sumamente apropriadas para a celebração da Santa Missa.
2.       Cito um sem fim de canções do cantor e compositor Asaph Borba. Dentre elas eu citaria, por exemplo, a Canção “Melhor é Dar” que daria um hino de campanha da Fraternidade e tanto!
3.       Cito o autor e compositor Bené Gomes, líder do Ministério Koinonia de Louvor, autor da Canção “Oferta de Amor”, tão cantada nos nossos ofertórios.  

Eu finalizo essa reflexão fazendo algumas ressalvas importantes, alguns cuidados pastorais que precisamos ter e algumas premissas que merecem ser ressaltadas no final de toda essa reflexão:

1.       Em nossos cultos de oração a música deve ser necessariamente católica.
2.       A autoria não confere necessariamente catolicidade a uma obra.
3.       Toda verdade, dita por quem quer que seja, vem do Espírito Santo.

Alguns cuidados pastorais:

A Igreja Evangélica no mundo é uma igreja em crise. A Teologia da Prosperidade infestou muitas igrejas e o resultado é pernicioso. Alguns evangélicos ainda batem no peito dizendo: “O número de evangélicos está crescendo... Seremos maioria em pouco tempo, etc”... Mas o fato é que esse crescimento é preocupante até para os evangélicos sérios que existem e estão por aí. Por quê? Porque a imoralidade tah crescendo, o pecado tah crescendo, a carnalidade tah crescendo e o número de evangélicos está crescendo? Muito estranho! No Avivamento de Azuza Street, em 1906, que é o marco do Movimento Pentecostal, houve em Los Angeles uma diminuição da criminalidade e da imoralidade – e isto está até registrado nos jornais!!! A Igreja Evangélica que está crescendo no Brasil é a da “prosperidade”, aquela que tem o HOMEM no centro e Deus como seu servo! Como consequência disso, as canções dos últimos 20 anos maios ou menos estão cheias dessa teologia da prosperidade. Portanto, meus amigos, precisamos conhecer a doutrina pra não encher o nosso culto dessa nefasta doença que está tomando o cristianismo!

A formação do nosso povo é uma necessidade imperiosa.  

De verdade, que saudades de tempos nos quais os autores de qualquer obra cristã ao invés de assinarem seus nomes escreviam apenas “Para a Glória de Deus”.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

UMA INTRODUÇÃO BÍBLICA SOBRE A VIRGEM MARIA

Maria no Novo Testamento

Aquilo que o Novo Testamento diz a respeito de Maria não passa de poucos versículos (ela está presente em algumas passagens dos evangelhos e há uma referência sobre ela no Atos dos Apóstolos).

Nas Escrituras, Maria aparece em cada etapa da vida do seu Filho: Sua concepção e nascimento; sua infância; o início do seu ministério; aos pés da Cruz e depois de sua ressurreição e ascensão. Contudo, na maioria destes casos, somente se menciona a presença de Maria sem que se diga muito sobre ela. Basicamente, isto é o que podemos aprender, por meio destas passagens da Sagrada Escritura:

·         Um anjo anunciou que Maria conceberia Jesus pelo poder do Espírito Santo (cf. Lc 1, 26-38).
·         Durante a gravidez, fez uma larga visita a sua prima Isabel (cf. Lc 1, 39-56). Deus a luz a Jesus em Belém (cf. Mt 1, 18-25) e esteve com Ele quando sábios magos (Mt 2, 10) e pastores (Lc 2, 15-20) lhe renderam homenagens.
·         Sob ameaça de Herodes, saiu em fuga com seu recém nascido e José, seu esposo, em direção ao Egito (cf. Mt 2, 14).
·         Regressa a Nazaré, onde vive durante s anos e crescimento e vida oculta de Jesus (cf. Mt 2, 19; Lc 2, 39).
·         Maria apresentou o menino Jesus no Templo (cf. Lc 2, 23; 33-35). Mais tarde, quando Ele tinha doze anos, encontrou-o ali mesmo, ensinando (cf. Lc 2, 48-51).
·         Maria esteve também nas Bodas de Caná, onde Jesus realizou seu primeiro sinal (cf. Jo 2, 1-11). Também esteve em Nazaré quando Jesus foi rechaçado pelo seu próprio povo (Mt 13, 54-58; Mc 6, 1-6).
·         Ela viu-o morrer na Cruz (cf. Jo 19, 25-28) e esteve entre os discípulos reunidos com os Apóstolos em Jerusalém, esperando Pentecostes e o envio do Espírito Santo (cf. At 1, 14).
·         Há, também, algumas menções indiretas à Virgem Maria no Novo Testamento. Uma mulher anônima grita para Jesus: “Bendito o ventre que te gerou e os seios que te amamentaram” (cf Lc 11, 27-28).
·         São Paulo a menciona, mas não por nome (cf. Gl 4,4) e “aparentemente” ela é a mulher descrita na visão do último livro da Bíblia (Ap 11,19; 12,18).

Maria na Doutrina e na Devoção

Contando as menções indiretas, o Novo Testamento se refere a Maria somente quatorze vezes (muito menos que a alguns apóstolos; São Pedro, por exemplo, é mencionado 155 vezes nos escritos bíblicos).

Então, como é possível que ela seja uma das únicas pessoas a serem mencionadas pelo nome no Credo (“nasceu da Virgem Maria”)? Como é possível que ela tenha sido inspiração para algumas das primeiras liturgias e orações da Igreja, como também de alguns dos dogmas mais controversos e mal entendidos?

Estas perguntas foram fonte de dificuldades para muitos cristãos, que alegam não achar fundamentação bíblica para justificar ou compreender tudo aquilo que nós católicos cremos e rezamos acerca de Maria. Ou se referem a nossas crenças e devoções como produtos de uma “imaginação mal orientada”, ou as consideraram taxativamente como “Mariolatria” (um culto falso que tira a glória de Cristo e subverte sua obra de redenção).

Para nossa tristeza, muitos católicos devotos não têm facilidade para explicar a conexão entre a Virgem Maria da Bíblia e a Virgem Maria da doutrina e devoção católicas.
É por isto que este curso é tão importante!

Vamos descobrir que, quando a Escritura fala sobre a Virgem Maria, ensina muito mais do que aquilo que observamos superficialmente, com nossa “primeira impressão”. Veremos por que orações como a “Ave Maria” são compostas, em sua maioria, por textos bíblicos; veremos, também, como os dogmas e doutrinas da Igreja são efetivamente interpretações definitivamente escriturísticas a respeito de Maria.

De fato, pelo escrutínio da Bíblia, vamos encontrar as sementes não somente de devoções católicas como o “terço”, mas também dos dogmas e doutrinas acerca da Imaculada Conceição da Assunção e fundamentos para a Coroação de Virgem como Rainha dos Céus.

A devoção católica à Virgem Maria, enraizada no testemunho bíblico dos primeiros seguidores de Cristo, está muito longe de ser uma blasfêmia ou idolatria. Ao terminar este curso, você irá se perguntar se, pelo contrário, não seria uma blasfêmia não honrar a Virgem Maria como sendo a obra mestra de Deus, a pessoa humana que em verdade mais reflete a imagem de Deus (cf. Gn 1, 27; Rm 8, 29; 1Cor 15, 49).

Para apreciar bem as conexões entre a Maria das Escrituras e a Maria da doutrina e da devoção, necessitamos aprender a ler as Escrituras com o sentido autêntico com que as mesmas foram escritas. Quando fazemos isto, descobrimos que, ainda que haja poucas referências bíblicas à Virgem Maria, as mesmas são ricas e muito profundas.

I.                   A Virgem Maria no Evangelho de São Mateus


“Da que nasceu Jesus...”


Considere isto como uma “lição de leitura”. Vamos aprender a como ler o que está escrito a partir dos mesmos autores humanos do Novo Testamento. Começaremos simplesmente buscando entender o “sentido literal” ou literário destes textos, o que as palavras mesmas, escritas no texto, dizem-nos acerca de Maria.

A primeira aparição de Maria no Novo Testamento está no primeiro capítulo, ao final da larga genealogia com a qual se inicia o Evangelho de São Mateus. Ela é apresentada assim: “Maria, da que nasceu Jesus, chamado Cristo” (Mt 1, 16).

É necessário ler essas palavras em seu contexto. São as últimas palavras de uma lista de antepassados que São Mateus reproduz para demonstrar que Jesus é o “Cristo, Filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1, 1).

Abraão foi o pai do povo escolhido de Deus, Israel. Deus fez uma aliança com ele, prometendo-lhe que, por sua descendência, “seriam benditas todas as nações da terra” (cf. Gn 22, 18).

Deus prometeu a Abraão que reis seriam provenientes de sua linhagem (cf. Gn 17,6). Mais tarde, Deus jurou ao Rei Davi que seu reino nunca terminaria, que o filho de Davi seria Seu filho e reinaria para sempre, não somente sobre Israel, mas sobre todas as nações (cf. 2 Sm 7, 12-13; Sl 89, 27-28; Sl 132, 4-5; 11-12). Contudo, o reio de Davi caiu por terra e povo foi exilado (cf. Mt 1, 11; 2Re 24, 14).
Desde então, os profetas de Israel ensinaram a esperança de um “Cristo” (Meshiah, em hebraico). Esperava-se que ele seria o filho de Deus prometido a Davi, que livraria às tribos dispersas de Israel e as reuniria em um novo e eterno reino que seria luz para as nações (cf. Is 9, 5-6; 49,6; 55,3; Ez 34, 23-25, 30; 37,25).

Lidas neste contexto, as poucas palavras que São Mateus escreve sobre Maria não são assim tão “triviais”. O Evangelista, com uma frase curta, pôs Maria exatamente no centro da história de Israel – a história do povo de Deus – Dela nasceu o Cristo por quem Deus cumpriria as promessas de sua aliança com Abraão e Davi.

Como mãe do Rei – Messias de Israel, Maria necessariamente está no centro da história humana porque o fruto do seu ventre será a fonte da salvação do mundo. Por Cristo, nascido de Maria, Deus outorgou suas bênçãos divinas sobre todos os povos e nações.

“... Por intermédio do Espírito Santo”


São Mateus continua este tema nos versículos seguintes que Maria “concebeu por obra do Espírito Santo” (Mt 1, 18-25).

São Mateus nos conta que a concepção de Maria pelo Espírito Santo cumpre a promessa que Deus havia feito pelo profeta Isaías – que uma virgem “conceberá e dará a luz a um filho e lhe chamarão Emanuel, que quer dizer, “Deus está conosco” (cf. Mt 1, 18, 22-23; Is 7,14).

Esta era uma profecia enigmática. Não conhecemos ninguém que, no tempo de Jesus, relacionasse esta profecia com a vinda do Messias. Alguns rabinos disseram que a profecia se cumpriu na vida do profeta Isaías, quando nasceu o rei Ezequias.

Ezequias foi um poderoso reformador que “fez o que era reta aos olhos do Senhor, exatamente como Davi, seu pai” (2Re 18, 3). Além disso, a Escritura diz “O Senhor esteve com ele” (cf. 2 Re 18, 1-7; 2 Cro 29-32).

Mas São Mateus parece nos dizer que Ezequias fora somente uma prefiguração, um cumprimento apenas parcial e, portanto, incompleto, da profecia de Isaías, que chegou ao pleno cumprimento com a concepção de Jesus no ventre de Maria por intermédio do Espírito Santo.

Maria é “a que dará a luz”, como diz Miquéias, em uma profecia que São Mateus cita (cf. Miq 5, 1-2; Mt 2, 6). Por Maria, a mãe do muito esperado Messias, “Deus está conosco (Emanuel).”

De novo, para entender o sentido literal desta passagem nós temos que entender profundamente o contexto que São Mateus pressupõe do Antigo Testamento.

São Mateus espera que seus leitores escutem nessas palavras a promessa que ecoa por toda a história da salvação – a promessa da divina presença, que Deus um dia viria habitar com seu povo (cf. Is 43, 5; Zac 8, 23; 2 Cor 6, 16-18).

Trata-se de uma das grandes esperanças messiânicas inspiradas pelos profetas. Ezequiel, por exemplo, profetizou um novo Rei Davi e “uma aliança eterna” na que Deus prometeria: “Minha morada estará junto deles. Serei seu Deus e eles serão meu povo” (Ez 37, 24-28; cf. Ap 21, 3).

Escutamos “ecos” da profecia do Emanuel de Isaías por todo o evangelho de São Mateus. Jesus repete várias vezes que Ele estará “conosco” até o fim dos tempos (cf. Mt 18,20; 25, 40,45; 26, 26-28). As últimas palavras de Jesus, no primeiro evangelho, também fazem eco a esta promessa: “E eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).

A identificação, em Mateus, da Virgem Maria como a Virgem profetizada por Isaías, uma vez mais, a coloca no centro do plano salvífico de Deus para Israel e para o mundo.

O sentido literal do texto é que Maria é “o sinal divino” que Deus prometera há muito tempo; o sinal de sua fidelidade à eterna aliança com Davi; o sinal de que Ele veio cumprir seu plano para com toda a criação.

II.               A Virgem Maria no Evangelho de São Lucas


“O Senhor é contigo”

Agora consideraremos o Evangelho de São Lucas.

Vamos nos debruçar muito na narrativa da Anunciação (cf. Lc 1, 26-38).

Queremos, de um modo simples, ler o texto em seu contexto literal, tal como está escrito; queremos saber o que esta passagem nos diz a respeito de Maria.

São Lucas, assim como São Marcos, apresenta Maria como uma virgem desposada com José, um descendente de Davi. Ela é saudada pelo arcanjo Gabriel: “Ave cheia de graça, o Senhor é contigo”.

A palavra utilizada pelo anjo é traduzida como “Ave”, mantendo a versão latina, ou “alegra-te”, se fazemos a tradução da expressão para o português. Trata-se de uma das expressões que os profetas utilizaram para predizer ao povo o gozo que traria a vinda do Messias (cf. Jo 2, 23-24; Zc 9, 9).

De fato, para que o anúncio do anjo é tirado quase que palavra por palavra de uma profecia de Sofonias (cf. Sf 3, 14-18).

Lucas 1                                                                                               Sofonias 3
Alegra-te, cheia de graça                                               Solta gritos de alegria, filha de Sião
O Senhor é contigo                                                        O senhor, o Rei de Israel está no meio de ti
Não temas, Maria                                                           Já não terás que temer
O ente santo que nascer de ti                                         Teu Deus está no meu de ti
O filho do Altíssimo                                                       Um poderoso salvador

Parece que Lucas está nos apresentando Maria como a Filha de Sião – a representante de seu povo – chamada a regozijar-se porque Deus, seu Salvador e Rei, visitou-a.

Então, em São Lucas, assim como em São Mateus, vemos as esperanças históricas de Israel concentradas na pessoa de Maria. As palavras que os profetas ensinaram Israel a desejar ouvir – “Dizei a filha de Sião: eis, aí vem teu salvador” (Is 62, 11) – agora são ouvidas por Maria.

O anjo também disse que a Maria que seu filho seria o “Filho do Altíssimo” e que reinaria “sobre trono de Davi, seu pai”.

Para entender o sentido literal desta passagem necessitamos voltar ao Antigo Testamento e à história da aliança de Deus com Davi. De fato, nas palavras do anjo escutamos ecos da aliança entre Deus e Davi (cf. 2 Sm 7, 12-16; Sl 89, 4-5; 27-30).

Deus jurou, a respeito do filho de Davi: “Será para mim um filho”. O anjo promete a Maria, por sua vez, que seu filho seria chamado “Filho do Altíssimo”, uma outra maneira de dizer “Filho de Deus” (cf. Mc 5, 7; Lc 1, 35; 8, 28).

Deus jurou também a Davi que seu filho se sentaria sobre seu trono e reinaria “pelos séculos”. O anjo, por sua vez, promete a Maria que seu filho se sentaria “sobre o trono de Davi seu pai... para sempre.”

Maria é apresentada aqui como “sinal” de que Jesus é o muito esperado Messias da casa de Davi.

“A Escrava do Senhor”


Voltaremos sobre outros elementos da história da anunciação de São Lucas nas próximas aulas. Por hora, pularemos para a conclusão da narração feita pelo evangelista.

Maria perguntou ao anjo como ela, sendo virgem, conceberia a criança prometida pelo anjo. O Anjo respondeu-lhe: “porque nada é impossível para Deus” (cf. Lc 1, 37). Também estas palavras estão carregadas de referências a passagens do Antigo Testamento. Um anjo disse a Sara, esposa de Abraão, quase que as mesmas palavras quando esta riu da ideia de que, em sua velhice, conceberia ao filho que Deus prometera a Abraão (cf. Gn 18, 14).

Lucas, de fato, está nos ensinando que Maria também é chamada a dar a luz a um filho prometido da aliança com Deus.

Através de escrutínio da leitura da narração da anunciação em São Lucas podemos escutar os ecos de vários nascimentos milagrosos na história da salvação. Além do nascimento de Isaac, citado acima, escutamos ecos da concepção de Rebeca dos gêmeos Esaú e Jacó (cf. Gn 25, 21-22); a concepção de José por Raquel (cf. Gn 29, 31; 30, 22-24) e a concepção de Sansão pela mulher de Manoa (cf. Jui 13, 2-7). A resposta de Maria ao anjo evoca também a história de outra mulher que fora favorecida por Deus: Ana, a mãe de Samuel (cf. 1 Sm 1, 11, 19-20). Ao apresentar-se como “a escrava do Senhor”, Maria nos recorda o voto de Ana, que pediu um filho a Deus prometendo consagrá-lo ao Senhor. Por três vezes Ana se descreve como “a escrava do Senhor” (cf. 1 Sm 1, 11, 16, 18).

Entregue ao Senhor em gratidão por sua mãe (cf. 1 Sm 1, 11, 22, 2,20), Samuel foi feito um sacerdote-profeta justo e santo, um profeta escolhido por Deus para ungir Davi como Rei.

Ao descrever-se como a escrava do Senhor, Maria está prometendo dedicar seu filho a Deus. Seu filho também será um profeta e sacerdote santo, O Ungido como rei davídico.

III.            Interpretando como Jesus 

Sentido literal, histórico e divino


O que aprendemos de nossa interpretação literária dos testos marianos em São Paulo e São Lucas até agora? Primeiro, a leitura literária nos dá o conhecimento de uma verdade histórica: O nascimento de Jesus de uma virgem por meio do Espírito Santo.  Por sua vez esta verdade histórica nos comunica um sentido divino. Os eventos históricos e a maneira com a qual estes eventos foram narrados nos transmitem muito mais do que meros dados informativos; revelam a existência de um plano divino de salvação que Deus está realizando na história humana.
São Mateus e São Lucas presumem em suas narrações a existência de uma “Economia” ou “Provisão” divina em que os votos da Aliança que Deus jurou a Abraão e a Davi séculos antes estão destinados a encontrar seu perfeito cumprimento na vinda de Cristo.
De fato, São Mateus e São Lucas parecem ver um fio de ouro conectando os eventos, figuras e instituições do Antigo Testamento com os do Novo. A razão pela qual os evangelistas cuidadosamente citam a Bíblia e aludem ao passado de Israel é revelar essa unidade entre Antigo e Novo Testamentos; assim, demonstram como tudo o que acontece com Maria é continuação e culminação da promessa.

Tipologia e Maria


Esta maneira de ler e escrever tem um nome: Tipologia. É a chave para entender o que a Bíblia nos quer dizer sobre Maria.

A tipologia é a maneira com a qual Jesus ensinou os Apóstolos a lerem o Antigo Testamento.

Ele se referiu a Jonas (cf. Mt 12, 39-41), Salomão (cf. Mt 12, 42), o Templo (Jo 2, 19) e à serpente de bronze (cf. Jo 3, 14) como “tipos”, figuras, sinais que apontavam para Ele. Na primeira noite da Páscoa, Jesus disse: “É necessário que se cumpra tudo aquilo que está escrita sobre mim na Lei de Moises, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24, 44-45). Ensinou-lhes que pessoas, lugares, coisas e eventos do Antigo Testamento foram escritos como preparação para Ele.

Jesus e os Apóstolos estavam familiarizados com esta maneira de ler o Antigo Testamento, bem como as leituras litúrgicas que escutavam na sinagoga. Nos escritos dos profetas e nos salmos encontramos frequentemente interpretações “tipológicas” de eventos prévios, sempre com a ideia de preparar Israel para vinda de seu Salvador.

Isaías falou a respeito de uma nova criação (Is 65, 17) e um novo êxodo (cf. Is 11, 10-11; 15-16; 43, 16-22; 51, 9-11). Ele e outros, notavelmente Ezequiel e Jeremias, falaram da vinda do Novo Pastor-Rei da casa de Davi e a restauração do reino (cf. Is 9, 1-7; Jr 23, 5-6; Ez 16, 59-63; 34, 24-30; 37, 23-28).

Os autores do Novo Testamento viram as grandes “tipologias” – a criação, o êxodo e o reino-aliança de Davi – sendo recapituladas na Nova Aliança de Jesus.

Jesus era o Novo Adão, o primogênito da nova criação (cf. Rm 5, 14; 1 Cor 15, 21-22; 45-49). Sua cruz e Ressurreição foram um novo êxodo (cf. Lc 9, 31; 1 Cor 10, 1-4). Sua Igreja é a Nova Jerusalém e o Novo Reino de Davi (cf. Gal 4, 26; At 1, 6-9; Ap 1, 6).

Como veremos nas próximas aulas, os autores do Novo Testamento também desenvolveram um entendimento “tipológico” do papel de Maria na história da salvação – como a Nova Eva, a Nova Arca da Aliança e a Nova Rainha-Mãe do Reino de Deus.

Veremos que Maria é apresentada misteriosa e inseparavelmente em relação a missão salvífica de seu Filho. A repetição da frase “o menino com sua mãe” no Evangelho de São Mateus, portanto, não pode passar desapercebida (cf. Mt 1, 18; 2, 11, 13, 14, 20, 21).

É assim que Maria foi retratada numa das primeiras profissões de fé bíblicas: “Mas ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de Mulher, nascido sob a lei, para resgatar aos que se achavam sob a lei e para que recebêssemos a condição de filhos” (Gal 4, 4-5).



O que o Novo Testamento diz sobre Maria enche apenas uns poucos versículos. Contudo, diz-nos tudo o que necessitamos saber: Maria foi santificada, destinada desde toda a eternidade a dar a luz ao Verbo feito carne, o Filho unigênito de Deus e ser coroada mãe de todos os que entram no Reino de Cristo.

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Fonte: Booklet Hail Holly Queen, Saint Paul Center of Biblical Theology - Dr. Scott Hahn, Ph.D. 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O MINISTÉRIO DE ORAÇÃO POR CURA E LIBERTAÇÃO NA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA - ALGUMAS CONFUSÕES



Vocês, o povo de Deus, o povo da Renovação Carismática, tenham cuidado para não perder a liberdade que o Espírito Santo vos deu!

O perigo para a Renovação, como costuma dizer sempre o nosso querido padre Raniero Cantalamessa, é a organização excessiva: o perigo de organização excessiva.

Sim, vocês precisam de organização, mas não percam a graça de deixar Deus ser Deus! “No entanto, não há maior liberdade do que deixar-se guiar pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo, e permitir que Ele nos ilumine, nos guie, nos oriente, nos impulsione para onde Ele quer. Ele sabe o que é necessário em todas as épocas e em todos os momentos. Isso significa ser misteriosamente fecundo!” (Exortação Evangelii Gaudium, 280).

Um outro perigo é o de tornarem-se “controladores” da graça de Deus. Muitas vezes, os responsáveis (eu gosto mais do nome de “servos”) de algum grupo ou algumas comunidades tornam-se, talvez inconscientemente, os administradores da graça, decidindo quem pode receber a oração da efusão no Espírito e quem não pode. Se alguém faz assim, por favor, não façam mais isso, não faça mais isso! Vocês são dispensadores da graça de Deus, e não controladores! Não imponham uma alfândega ao Espírito Santo!

Papa Francisco, 01 de junho de 2014

 

Introdução


Eu não tenho dúvidas de que os líderes da Renovação Carismática Católica aqui no Brasil não estão nenhum pouco surdos às palavras do Papa Francisco. Por onde olho, vejo irmãos mencionando o discurso do Papa dentro da RCC, o que muito me alegra. Somos um povo obediente à Igreja. Crendo nisto, não faço este artigo num tom de confronto, mas de colaboração.

Este artigo abordará a problemática dos Ministérios na Renovação Carismática Católica do Brasil – de modo introdutório apenas – e se concentrará a fazer frente aos diversos princípios e normas criados dentro do Ministério de Cura e Libertação da RCC aqui no Brasil não pelos coordenadores nacionais, mas pela má interpretação que é feita pelo povo nas bases (dioceses e grupos de oração). Infelizmente, aquilo que deveria ser uma medida pastoral (certos cuidados ensinados nas formações para o ministério) se tornaram dogmas, sentenças ex-cathedra para muitos carismáticos, e isto dá fundamento para proibições e restrições que vão claramente contra alguns princípios claramente evangélicos.

Boa leitura!

O Conceito de Ministério


A palavra ministério, na Bíblia, na maioria das vezes em que aparece, significa serviço. No Novo Testamento a palavra grega para ministério é “diakonia” e indica a prestação de algum tipo de serviço ou trabalho. Como, por exemplo, nesse texto: “e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério [diakonia] da palavra.” (At 6, 4). Ou seja, eles se dedicariam ao trabalho, ao serviço da pregação da palavra de Deus.

Na Bíblia temos essa palavra aplicada aos vários serviços especiais designados por Deus aos seus servos. Por exemplo, vemos na Bíblia citados o ministério dos levitas, dos sacerdotes, dos profetas, dos apóstolos, etc. (2 Cr 6. 32; At 1. 25).

Tradicionalmente a palavra ministério sempre foi empregada para os ministros ordenados – diáconos, padres e Bispos – motivo pelo qual, aqui no Brasil, quando a Renovação começou a empregar o termo ministério para os diversos serviços e apostolados do Movimento, houve uma orientação para que se abolisse o termo. Assim, a Renovação passou a utilizar, naquele então, o termo secretaria. Tínhamos, por exemplo, a Secretaria Moisés para os intercessores; Secretaria Rafael para os irmãos que oram por cura e libertação, e assim por diante.

Foi quando São João Paulo II escreveu a Encíclica Christifidelis Laici sobre a vocação e a missão dos Leigos na Igreja que a Renovação voltou a adotar, agora sob fundamentação de uma encíclica, o termo ministério para os diversos serviços do Movimento.

Ainda há resistências quanto ao uso deste termo, como também há resistências ao uso da palavra Batismo para descrever a experiência crítica e de sentido que está na base e na identidade da Renovação Carismática. Vamos ilustrar esta questão semântica usando os termos ministério, batismo e Igreja, de modo a ilustrar bem a questão:

Se nós utilizamos a palavra Igreja no seu sentido teológico de Corpo Místico de Cristo, seria errado dizer Igreja Anglicana, Igreja Luterana, etc., porque, neste sentido, a Igreja é Una. Agora, se a palavra é usada no seu sentido etimológico – assembleia, congregação – a palavra está bem empregada.

Quando utilizamos a expressão Batismo no Espírito Santo para definir a nossa experiência carismática fundante, é evidente que estamos utilizando o sentido etimológico e não o sacramental, pois não propomos um segundo batismo sacramental.

Quando utilizamos a palavra Ministério, portanto, utilizamos o mesmo critério etimológico.

“Ministérios Carismáticos” e outros Ministérios


Olhando apenas para a realidade da Renovação Carismática Católica, podemos fazer uma diferenciação básica entre os mais de dez ministérios que, hoje, existem. Quando estamos numa Comunidade Carismática de oração o Senhor dá seus carismas como lhe apraz. Ao receber carismas, o servo recebe a capacitação para exercer um ministério (de acordo com o carisma recebido). O servo recebe a capacitação (esta palavra é importante). O Senhor pode dotar uma única pessoa com o carisma de louvor (música), de pregação e de cura? É claro que sim! Com isto, o servo recebe um revestimento, uma capacitação. No caso deste servo em questão, qual é o seu ministério? Bem... A definição do ministério a ser desempenhado por este servo em questão – que recebeu o carisma do “louvor”, da pregação e da cura – passará por dois crivos:

1.       O Chamado pessoal que Deus faz a este servo em questão.
2.       A confirmação da Comunidade.

Os “ministérios carismáticos” propriamente ditos são:

1.       Ministério de Pregação
2.       Ministério de Cura e Libertação
3.       Ministério de Louvor (referindo-me a música na oração carismática)
4.       Ministério de Intercessão

Estes ministérios supracitados pressupõem a recepção de um carisma. Todos os demais ministérios existentes na Renovação hoje são apenas áreas de atuação ou trabalhos específicos para os diversos estados de vida. Não se recebe um carisma para ser universitário ou profissional. Trata-se de um estado de vida. Não se recebe um carisma para ser jovem; igualmente, trata-se de um estado de vida.

Então, enquanto serviço, podemos utilizar a palavra ministério para os diversos serviços desempenhados na RCC, tal como estamos fazendo? Enquanto serviço, sim. Contudo, os únicos ministérios verdadeiramente carismáticos – no sentido de pressupor a recepção e o exercício de um carisma - são aqueles quatro que citei acima.

De fato, o que faz o Ministério Jovem nas suas reuniões, missões e projetos? Prega, louva, intercede e ministra a cura e a libertação. O que faz o Ministério das Universidades Renovadas? Prega, louva, intercede e ministra a cura e a libertação. E o ministério das Famílias? Idem! O das Religiosas também? Sim... Também!

Faça-se aqui uma pequena ressalva ao Ministério de Formação. Eu não o listei entre os ministérios carismáticos, embora eu acredite no carisma de ensino, porque, na minha opinião, ele merece um certo destaque. Todos estes quatro ministérios carismáticos precisam de irmãos com o carisma de ensino, de modo que eu percebo o serviço do formador dentro de todos os ministérios (é apenas uma questão de ordenamento).

Confusões sobre a pertença a um Ministério


O que devia existir para organizar (os diversos ministérios) acabou por engessar e segmentar demais a Renovação sob muitos aspectos (e esta não é a minha opinião isolada, pois ouvi isto de irmãos notáveis dentro da RCC). Quando percebemos que um jovem universitário não faz formação de pregação, ou de cura e libertação, ou de louvor, ou de intercessão porque “meu ministério é Universidades Renovadas ... Percebemos a verdadeira confusão que há na cabeça do nosso povo!

Recordo-me que, quando eu estava na equipe estadual do Ministério Jovem no Rio Grande do Sul, nós começamos a criar os ministérios de pregação, cura, louvor e intercessão dentro do Ministério Jovem – ou seja, criamos uma Renovação a parte, rsrs. Por outro lado, isto demonstra como percebíamos que, como carismáticos, nosso modo de evangelizar era este: Pregar, Louvar, Interceder e Ministrar a Cura. Nós erramos na solução da questão (criando ministérios dentro do Ministério), mas a intuição era correta.

Portanto, Ministérios com “M” maiúsculo são os quatro já tão repetidamente citados. Todos os servos da Renovação Carismática – não importando se é jovem, universitário, religioso, evangelizador de crianças ou seja lá o que for – deveriam depender formativamente dos Ministérios de Pregação, Cura, Louvor e Intercessão.

Um jovem do Ministério de Universidades Renovadas pode rezar por cura e libertação? Daremos uma resposta mais abrangente sobre este ministério em específico, mas já vamos adiantar e responder aqui: é claro que sim! Pode ministrar louvor? Claro! Interceder? ... Pregar? ... Não somente pode... Deve!

Nós precisamos de ministros da pregação, da cura, do louvor e da intercessão em todos os serviços e estados de vida da Renovação Carismática Católica! Precisamos destes ministros em todos os ministérios!

Recordemos, ainda, que o Espírito Santo distribui seus dons como lhe apraz, de modo que um pregador também pode interceder, ministrar louvor e orar por cura se o Espírito Santo assim lhe capacitar, assim como um intercessor pode pregar! Uma coisa são os dons carismáticos recebidos e outra é o chamado ministerial do servo – embora haja uma profunda conexão entre o carisma e o ministério.

Ainda falando de confusões neste campo, já vi gente negando oração por aí dizendo: “não é o meu ministério”. Realmente... Não é por aí!

Nós somos batizados e crismados. Deus pode nos usar pontualmente em qualquer ministério, porque é Ele quem distribui os carismas como lhe apraz e no momento que lhe apraz. Nem sempre um carisma recebido constituirá um ministério.

Princípios e Normas criados dentro do Ministério de Oração por Cura e Libertação – Desmitificando algumas lendas


Quando o Papa Francisco falou sobre não sermos administradores mas dispensadores da graça de Deus e de “não impormos uma alfândega ao Espírito Santo” a primeira triste realidade que me veio à mente foi a de uma série de princípios e normas criados pela má interpretação, feita nas bases, da formação dada pelo Ministério de oração por Cura e Libertação. Aquilo que deveria ser de caráter pastoral acabou assumindo um caráter quase dogmático, pela rigidez com a qual é aplicado.

Vamos listar algumas regras conhecidas e analisá-las uma a uma:

a)      Só quem é do ministério de oração por cura e libertação pode rezar por cura e libertação (e mais ninguém).
b)      Não se pode encostar na pessoa para fazer oração de cura e libertação e não se pode ficar de pé se a pessoa que recebe a oração está sentada.
c)       Se não estiver recebendo os sacramentos frequentemente, jejuando, rezando o terço e lendo a bíblia... Não pode orar por cura e libertação.

Só quem é do ministério de oração por cura e libertação pode rezar por cura e libertação (e mais ninguém):


A oração por Cura e Libertação é um serviço de suma importância prestado pela Igreja à humanidade. Seu precedente é profundamente bíblico e foi uma profunda característica do ministério do próprio Senhor Jesus.

Enviando toda a Igreja em Missão, Jesus derramou sobre ela o Seu Espírito para que nós – a Igreja – pudéssemos realizar as obras que Ele mesmo realizou, e obras ainda maiores! E Jesus diz claramente que estes sinais acompanhariam aqueles que crerem.

Todo cristão batizado recebeu de Deus o chamado e a Missão de ir pelo mundo inteiro pregando o Evangelho a toda a criatura (não somente os padres, ou um grupo seleto de pessoas); e estes sinais devem acompanhar a pregação de todo cristão batizado (e não apenas de um grupo seleto).

O chamado e o revestimento de autoridade são tão universais que mesmo diante das imensas feridas de divisão presentes no Corpo de Cristo, a pregação dos cristãos, até mesmo daqueles que não estão em comunhão plena com a Igreja, é acompanhada de curas e libertações. Recentemente o Padre José Antonio Fortea, SJ, ao se dirigir à 43º Reunião Anual de Sacerdotes (uma convenção carismática) citou o valioso ministério de cura e libertação dos irmãos separados (citando nomes e escritos).

Sim, estes sinais devem acompanhar a todos os crerem e saírem no anúncio do Evangelho.

Mas como é possível que um evangélico que não reza o terço, não recebe Jesus no Santíssimo Sacramento do Altar e não recebe o sacramento da reconciliação – portanto, que não vive “as cinco pedrinhas” do nosso projeto Amigos de Deus – possa ser usado por Deus para ministrar a cura e a libertação? (Repito: Quem usou o exemplo do ministério de cura e libertação levado a cabo pelos evangélicos numa reunião de Padres não fui eu... Foi simplesmente o Padre Fortea, um dos exorcistas mais renomados da Igreja, autor da obra Suma Demoníaca).

Uma reflexão semelhante a esta foi levantada por Reinaldo Beserra dos Reis no último Encontro Nacional de Reflexão Teológica quando, ao falar do Batismo no Espírito Santo, Reinaldo questiona o fato de que 90% dos nossos escritos apresentam o Batismo no Espírito Santo como um despertar da graça sacramental, o que colocaria em cheque a genuína experiência do Batismo no Espírito Santo nos irmãos separados (e sabemos bem que eles nos precederam historicamente na experiência tal qual a vemos hoje!) e a própria experiência de Cornélio, narrada no livro dos Atos. Reinaldo nos perguntava, então, se o Batismo no Espírito é uma graça de raiz sacramental ou se é uma experiência de oração, deixando claro que sua opinião era a segunda.

Existe, portanto, uma experiência ainda mais básica que toca a todos os cristãos quando falamos do Batismo no Espírito Santo, da recepção dos carismas e do exercício dos ministérios carismáticos. É por isto que, quando refletimos sobre estas realidades, não podemos ser reducionistas. De fato, o Espírito Santo não aceita e não se submete às nossas alfândegas.

É necessário afirmar, então, que orar por cura e libertação é algo que qualquer cristão “poderia fazer” (inclusive cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica).

Alguns podem estar revoltados agora ao lerem estas linhas; alguns, até, estão afirmando: “Então não precisa existir um Ministério de Oração por Cura e Libertação se qualquer cristão poderia rezar”. Não é bem assim ...

Qualquer cristão poderia pregar também. Qualquer cristão poderia interceder. Qualquer cristão poderia louvar (com música ou sem ela). Se de fato recebemos o Espírito de Cristo, participamos de seu múnus sacerdotal, profético e régio e isto nos capacita para que Deus nos use quando e como quiser.

Apesar disto, existem pessoas que são chamadas por Deus a se consagrarem a um ministério e elas recebem, da parte do Senhor, o carisma que as capacita para tal. Aliás, não somente este carisma... Uma única pessoa pode receber vários carismas, mas a um deles Deus fará ser a vocação daquela pessoa. Isto é ser ministeriado.

Só o “ministeriado” pode prestar o serviço do exercício do carisma específico de um determinado ministério? Não! Receber um dom carismático não é o mesmo que receber o sacramento da ordem – que imprime caráter! É por isto, aliás, que eu defendo que todos na Renovação Carismática deveriam receber a formação específica dos Ministérios Carismáticos e não somente os ministeriados, pois o vento sopra onde quer! Se, numa determinada circunstância, é necessário que você pregue... Você não pode dizer: “não, Senhor! Não pregarei porque sou intercessor”. Ou ainda: “Não rezarei pela libertação desta pessoa porque sou apenas ministro de louvor”. Acima do ministério carismático, irmãos, nós somos sacerdotes, profetas e reis pelo Batismo, sacramento este que imprime caráter!

Quando a Renovação Carismática Católica reconhece o chamado ministerial de um grupo de irmãos e lhes concede a capacitação formativa para o exercício do ministério, ela não está criando um grupo de notáveis, os únicos autorizados para exercer este dom carismático. A orientação de que seja sempre um ministeriado, nos nossos grupos de oração, a rezar pelas pessoas é um cuidado pastoral, pelos seguintes motivos:

1.       Se Deus muniu esta pessoa com um chamado para este ministério, é inteligente da nossa parte que seja este servo aquele que exerça o carisma nas nossas reuniões e nos atendimentos. Deus chamou esta pessoa para isto especificamente. É a vocação dela! Não é que os outros não possam... É que Deus chamou esta pessoa!
2.       Atender pessoas, dar aconselhamentos e clamar pela cura e pela libertação de modo responsável exige equilíbrio, sobriedade, discrição, formação e vida cristã comprovada (testemunho). A Renovação Carismática ao reconhecer o chamado do ministro de oração por cura e libertação, constata que ele possui estes pré-requisitos e dá a ele formação. É pelo cuidado pastoral – para evitar desvarios, erros e desequilíbrios que poderiam levar pessoas à perdição – que a Renovação orienta: Que sejam somente os ministros de oração por cura e libertação a rezarem pelas pessoas nos nossos grupos. Trata-se, portanto, de uma medida pastoral.
3.       Quando nos colocamos a rezar por outras pessoas entramos, muitas vezes, em combate espiritual. É um cuidado pastoral sumamente importante que a Renovação zele para que as pessoas que exerçam este serviço/ministério preencham os quesitos citados acima, uma vez que o combate é real e precisamos estar, de fato, revestidos de autoridade para travá-lo. Não é que Deus não possa revestir de autoridade a qualquer cristão, que atue em qualquer ministério, para numa determinada ocasião, ser um instrumento de libertação. É uma questão de inteligência e cuidado pastoral, da nossa parte, priorizar o exercício deste ministério para alguém que é ministeriado.


Não se pode encostar na pessoa para fazer oração de cura e libertação e não se pode ficar de pé se a pessoa que recebe a oração está sentada.


Novamente: Não podemos fazer com que medidas pastorais se tornem dogmas!

Criticava-se a oração de imposição de mãos encostando na cabeça das pessoas porque, segundo alguns, somente um ministro ordenado poderia fazer isto. De fato, esta afirmação não é procedente pelo fato de que é muito diferente aquilo que nós fazemos na Renovação quando oramos pelas pessoas daquilo que um ministro ordenado faz quando confere um sacramento. São níveis totalmente diferentes, e todos na Renovação temos esta consciência!

O senhor Jesus nos ensinou, na parábola do Bom Samaritano, a não ter medo do toque. Aliás, o Evangelho narra inúmeras vezes como Jesus tocava as pessoas. O que não pode haver são confusões neste gesto, misturando imposição de mãos com Heike e filosofias afins. O toque está muito bem fundamentado na Bíblia, de modo que não vejo nem porquê buscar maiores aprofundamentos e gastar mais tempo com este assunto.

Quanto a ficar sentado junto com a pessoa na hora de rezar por ela... É apenas uma medida pastoral. Sentar-se passa a mensagem de que você está no mesmo nível da pessoa, o que fará com que ela se sinta melhor acolhida; ficar de pé para rezar por alguém que se ajoelha ou se senta não é, contudo, necessariamente passar a mensagem de que se é superior à pessoa pela qual rezamos. Trata-se, portanto, de um aconselhamento e não de um dogma. Analisando tempos, momentos e lugares, não há problema algum em rezar de pé para alguém que está sentado.

Se não estiver recebendo os sacramentos frequentemente, jejuando, rezando o terço e lendo a bíblia... Não pode orar por cura e libertação.


Vou retomar um dos parágrafos escritos acima para introduzir este tema:

Mas como é possível que um evangélico que não reza o terço, não recebe Jesus no Santíssimo Sacramento do Altar e não recebe o sacramento da reconciliação – portanto, que não vive “as cinco pedrinhas” do nosso projeto Amigos de Deus – possa ser usado por Deus para ministrar a cura e a libertação? (Repito: Quem usou o exemplo do ministério de cura e libertação levado a cabo pelos evangélicos numa reunião de Padres não fui eu... Foi simplesmente o Padre Fortea, um dos exorcistas mais renomados da Igreja, autor da obra Suma Demoníaca).

Existe, na cultura e na práxis católica em geral, a influência de uma heresia que, na verdade, nunca abandonou o catolicismo: Estou falando do pelagianismo ou voluntarismo. Superficialmente, estas heresias afirmam que a obra da salvação depende de um esforço ascético pessoal e não da graça de Deus. Ninguém em sã consciência, contudo, afirma isto hoje na Igreja Católica. Contudo, na práxis, o pelagianismo segue muito vivo. “Se eu não fizer jejum, abstinência, confissão, e mais uma série de outras práticas espirituais, não estou pronto para pregar, ou interceder, ou ministrar louvor e orar por cura e libertação”. O erro nesta postura é o seguinte:

1.       Não se recebe sacramentos nem se pratica exercícios espirituais diversos porque eles sejam condição para que se possa exercer um ministério. Se recebe sacramentos e se pratica exercícios espirituais para crescer em intimidade com Deus, ser Santo e abrir-se para a graça. Um ministério pode ser exercido até mesmo quando o ministro está em pecado! É por isto que Jesus nos relembra que, naquele dia, virão dizendo: “Senhor, Senhor, mas não foi em teu nome que fizemos milagres?” ao que Ele responderá: “Não vos conheço”.
2.       Por mais exercícios ascéticos que eu e você possamos praticar, nunca seremos dignos de pregar, interceder, ministrar louvor ou orar por cura e libertação. Não praticamos a ascese para nos sentirmos preparados ou dignos (pois nem um milhão de penitências seria capaz de realizar isto em nós). Nossa dignidade e justiça é Cristo!

Pede-se que o servo de Deus esteja em estado de graça, em intimidade profunda com Deus para que, assim, ele seja:

1.       Testemunho daquilo que ele diz e prega
2.       Um canal ainda mais dócil e eficaz para as inspirações do Espírito Santo.

É por causa disto que um cristão evangélico que não recebe os sacramentos regularmente e não pratica os mesmos exercícios espirituais pode, muito bem, ser ministeriado para a cura e a libertação.

Portanto, não se devem apresentar as práticas espirituais como condições, mas como caminhos infalíveis para que o servo de Deus cresça em sabedoria e graça, sendo, assim, um instrumento ainda mais dócil e poderoso nas mãos de Deus. Infelizmente há, até, pessoas que se auto-julgam no direito de avaliar a vida espiritual do outro pela quantidade de práticas espirituais que vê a outra pessoa fazer; pior que isto: há pessoas que se auto-julgam aptas para exercer o ministério por causa da quantidade de práticas espirituais que realizam (e ainda publica aos quatro ventos a quantidade de terços que reza, e todas as práticas espirituais que realiza).

Se alguém acha que eu esteja fazendo apologia contra as práticas espirituais... Simplesmente demonstra a incapacidade de interpretar um texto. Sem ascese nós não chegaremos a lugar algum na vida espiritual e corremos o sério risco da condenação eterna! Não estou, portanto, menosprezando a oração, a devoção mariana, a vida sacramental, a leitura da palavra, o jejum e as demais práticas. De fato, como católico não conheço outros caminhos para manter a chama do Espírito Santo acesa (e não somente isto... Outro caminho para fazê-la crescer e frutificar). Jesus disse que há espécies de demônios que só podem ser expulsos mediante o jejum e a oração. Prescindir disto seria absurdo. O propósito destas linhas não é abolir a necessidade das práticas espirituais – o que, repito, seria um absurdo – mas retificar as intenções que nos levam à prática dos mesmos, colocando as coisas no seu devido lugar.

Conclusão

Não cabe a nós colocar alfândegas para a ação do Espírito Santo.

Eu estou certo de que a Coordenação Nacional do Ministério de Oração por Cura e Libertação não é a responsável pelas confusões que apontei acima – assim como o Conselho Nacional da RCC não é responsável pelos desequilíbrios existentes em muitos grupos de oração que não buscam formação ou que mal interpretam a formação recebida – de modo que estas linhas não se propõem a fazer frente aos nossos formadores no Ministério.

Tenho ciência de que o Ministério de Oração por Cura e Libertação está passando por grandes reformulações, o que é maravilhoso (afinal, somos um corpo vivo e nada pode ficar estagnado). Que estas linhas sejam acolhidas como uma singela contribuição para questões práticas do Ministério.