terça-feira, 17 de novembro de 2015

SOBRE A LICITUDE DE CANÇÕES DE AUTORES QUE NÃO ESTÃO EM PLENA COMUNHÃO COM A IGREJA CATÓLICA




Desejo abordar este tema deixando de lado todo e qualquer modo de exposição “apaixonado”, “temperamental” ou “irônico” que possa vir a causar o fechamento do coração por parte de irmãos e irmãs honestos intelectualmente e que desejam uma palavra equilibrada sobre este tema.

Perceba, em primeiro lugar, o título do artigo: SOBRE A LICITUDE DE CANÇÕES DE AUTORES QUE NÃO ESTÃO EM PLENA COMUNHÃO COM A IGREJA CATÓLICA. A profissão de fé, amigos e amigas, é própria de seres livres; é própria de PESSOAS. Uma escultura, um livro, uma canção, uma pintura, um edifício não faz “confissão de fé”. Nós dizemos que uma “coisa” é ou não “católica” a julgar pelo seu conteúdo. Não é a autoria o que confere ou retira a catolicidade de uma obra, mas tão somente o seu conteúdo. Infelizmente, há bispos, padres, religiosos, consagrados e leigos escrevendo, cantando e compondo coisas que não são católicas, e o fato de que os autores o sejam, não confere catolicidade a essas obras necessariamente.

É necessário que façamos uma afirmação categórica: No Culto Católico – e eu uso a palavra “culto” para abranger todas as assembleias de oração existentes na nossa Igreja, quer elas sejam litúrgicas, quer não – a canção precisa ser necessariamente e 100% Católica!

E o que é que confere ou retira catolicidade a uma obra?

1.       Conteúdo Doutrinário: Uma obra pode ser considerada “católica” se estiver de acordo com o Depósito da Fé da Igreja, custodiado e transmitido a nós pelo Magistério.
2.       No caso de uma Assembleia litúrgica, além de reta doutrina, a canção deve ter melodia apropriada e deve estar de acordo com o sentido da ação litúrgica que se celebra.

Então, mesmo que o autor seja um Bispo ou um Padre, se estes requisitos não são obedecidos, a obra é carente de catolicidade.

Dentro deste mesmo raciocínio, por outro lado, se uma obra está de acordo com estes requisitos listados acima, ela é “católica”, mesmo que seu autor, por algum motivo, não o seja.

Quando estudamos patrística e patrologia, amigos e amigas, autores como Tertuliano e Orígenes nos edificam muito com seus escritos. Contudo, nem tudo o que estes autores nos deixaram é condizente com a Doutrina Católica; isto, contudo, não desmerece em nada às obras realmente católicas eles nos deixaram.

Santo Tomás de Aquino, chamado de Doutor Angélico, afirmou:

“Toda verdade, dita por quem quer que seja, vem do Espírito Santo.”

Nesta mesma linha de raciocínio, Santo Tomás ainda diz:

“... Não olhes por quem são ditas, mas o que dizem.”

Santo Tomás beneficiou-se amplamente da filosofia pagã em sua principal obra: Suma Teológica.

Se nós podemos nos beneficiar da verdade, não obstante a profissão de fé do autor, desde que A OBRA condiga com a doutrina da fé, não é escândalo que afirmemos: Nós encontramos obras artísticas que nos enriquecem profundamente no conhecimento da verdade que são oriundas de autores ortodoxos e protestantes no campo da Teologia e da Fé!

O Documento Conciliar Unitatis Redintegratio, a partir do parágrafo quatro (4) diz assim:

Por outro lado, é mister que os católicos reconheçam com alegria e estimem os bens verdadeiramente cristãos, oriundos de um patrimônio comum, que se encontram nos irmãos de nós separados. É digno e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e as obras de virtude na vida de outros que dão testemunho de Cristo, às vezes até à efusão do sangue. Deus é, com efeito, sempre admirável e digno de admiração em Suas obras.

Vejam só: O Documento diz: Deus é, com efeito, sempre admirável e digno de admiração em Suas obras. A pessoa que escreveu, compôs ou seja lá o que for, não está em plena comunhão, o que é muito triste. Mas, ali, naquele conteúdo que procede do nosso patrimônio comum, essa obra pode ser considerada como inspirada pelo Espírito Santo, o que significa dizer que ela pode ser considerada como obra de Deus!

O Documento continua:

Nem se passe por alto o fato de que tudo o que a graça do Espírito Santo realiza nos irmãos separados pode também contribuir para a nossa edificação. Tudo o que é verdadeiramente cristão jamais se opõe aos bens genuínos da fé, antes sempre pode fazer com que mais perfeitamente se compreenda o próprio mistério de Cristo e da Igreja.

O Espírito Santo, autor da Verdade, age nos irmãos de nós separados e o que Ele faz lá, por meio deles, pode de fato contribuir para a nossa edificação, nos ajudando a crescer na nossa compreensão acerca do mistério de Cristo e da Igreja!

Acredito que a base doutrinária já tenha sido lançada. Isto é tudo? Não...

A Doutrina precisa caminhar junto com a PASTORAL. Uma não pode apagar ou prescindir da outra.
Pastoralmente, amigos e amigas, faz-se necessário um profundo trabalho de formação dos nossos irmãos e irmãs na fé católica. Infelizmente, o desconhecimento da fé é tão grande que vemos nosso povo cantando coisas doutrinariamente erradas com muita frequência (tanto de autores “não católicos” quanto de autores católicos). Urge que nossos pregadores, formadores, ministros de louvor e todo aquele que usa da palavra em nossos grupos de oração sejam autênticos transmissores da fé católica.

O que não pode acontecer, irmãos e irmãs, é que nós estejamos criando alfândegas que a Igreja não cria. Se um irmão ou irmã deixa a fé católica depois de passar por nossos grupos de oração e retiros é porque não fizemos o pastoreio, nosso testemunho não foi ardoroso e não pregação foi defeituosa. Nos tempos em que a Renovação Carismática Católica mais cresceu e desenvolveu no Mundo todo, amigos e amigas, as canções de autores “não católicos” eram quase unânimes em nosso meio. E não somente isto: Passávamos livros de autores não católicos para que as pessoas entendessem a nossa experiência de pentecostes. Nem por isto a RCC foi instrumento de esvaziamento das nossas paróquias; aconteceu o contrário. Hoje, graças a Deus, abundam as canções de autores católicos, bem como livros e apostilas de autores católicos: Glória a Deus! Estas canções e livros devem ser priorizados entre nós por uma questão até de justiça: Eu devo amar e valorizar esse irmão que luta pela extensão do Reino lado a lado comigo. Isto, contudo, amigos, não significa que devamos agora, a despeito de nossa ORIGEM e HISTÓRIA, criar sanções e restrições que nosso movimento e nem a Igreja jamais criaram.

Nosso problema se resolve com pastoreio, intercessão, formação, pregação e testemunho.

Algumas possíveis indagações:

Se existe uma infinidade de conteúdo de autores católicos, porque ler ou escutar um autor que não seja católico?

Vou elencar alguns porquês:

1.       Porque a verdade provém do Espírito Santo. Por causa do autor da Verdade, o Espírito Santo, toda a verdade é digna de ser lida e ouvida. Existe a questão pastoral e pedagógica também, que precisa ser levada em conta... É verdade que o “povão” não tem formação e que se confunde? É verdade sim. Eu só acho, amigos e amigas, que isso se resolve promovendo formação doutrinária ao invés de uma alfândega para a ação do Espírito Santo. Pergunte-se: O que está sendo dito é a verdade? O conteúdo é “católico”? Então, ele pode muito bem ser bem-vindo.

2.       Outro porque pra essa indagação: Porque embora nós tenhamos o “Christus Totus” na nossa doutrina, a compreensão dessa doutrina não é algo estagnado, mas está em constante progresso. É por isso que Unitatis Redintegratio afirma que os autores “não-católicos” podem nos ajudar na compreensão do mistério de Cristo. O Papa Bento XVI, no seu último discurso falando ao clero de Roma, disse que os exegetas protestantes fizeram avanços importantíssimos nessa área enquanto os católicos andavam meio que “estagnados”, motivo pelo qual havia uma grande expectativa no Concílio Vaticano II – e eu estou falando de Bento XVI, hein. O Papa usou profundamente a obra de um Rabino em seu livro Jesus de Nazaré. O Frei Raniero Cantalamessa cita Kierkegaard e outros autores em dezenas de livros. O Pe. Fortea, um dos exorcistas mais renomados do mundo, citou o importante trabalho de autores pentecostais evangélicos sobre o assunto da “Batalha Espiritual” num pronunciamento que ele fez a Padres reunidos num Congresso. Ora, meus amigos: Por que é que esses homens perdem seu tempo lendo esses autores se existe um sem fim de obras de autores católicos pra serem lidas, não é mesmo? Por que será? Porque há, em outras tradições cristãs, riquezas que podem iluminar a nossa compreensão do mistério de Cristo e da Igreja das quais esses homens humildes e sábios não querem se abster.

3.       Vamos a um terceiro porquê pra essa indagação: Porque as obras e movimentos oriundos de meios “não católicos” se mostraram importantíssimas na vida da Igreja recentemente. Três grandes movimentos precederam o Concílio Vaticano II: O Movimento Ecumênico, o Movimento Bíblico e o Movimento Litúrgico. Desses três, dois deles nasceram no protestantismo. Esses três movimentos foram inspirações poderosas para o Concílio Vaticano II. Além disso, o maior Movimento Eclesial da Igreja Católica recente, a Renovação Carismática, nasceu sob influência do Movimento Pentecostal nascido no meio Protestante.

4.       Um último porquê que eu ofereço pra essa indagação: Porque muitas vezes – infelizmente – os argumentos de muitos músicos e escritores católicos – que desejam proibir o acesso a autores não católicos – são em preocupações puramente mercadológicas.

Outra alegação é a seguinte: Por que vou ler ou escutar um autor que pode me conduzir ao erro, uma vez que ele não possui a verdade plena? E como poderia eu recomendar a leitura de um autor assim para outra pessoa? Vamos as respostas:

1.       Porque o Espírito Santo não é Deus de confusão. Se Ele está falando, eu quero escutá-lo, na certeza de que, enquanto é Ele quem fala, o conteúdo pode me edificar, ao invés de me confundir. Isso pressupõe conhecimento da doutrina da fé, é evidente, e a solução pra essa necessidade se chama ESTUDO ao invés de alfândega, proibição e desaconselhamento.

2.       Outro porquê: Porque o fato de um autor não possuir a verdade plena ou possuir graves erros não significa que ele não possua “verdade alguma”. Aliás, é por isso que podemos ler Sócrates (que era pagão), Aristóteles (que era pagão), Platão (que era pagão), Plotino (que era pagão), Flávio Josefo (que era judeu), Orígenes (que era católico), Alexander Mien (que era ortodoxo), C.S. Lewis (que era protestante) e tantos outros. A verdade é sempre digna da nossa atenção!

3.       Mais um porquê pra essa indagação: Porque se eu conheço um amigo ou amiga e sei do seu preparo doutrinário, posso muito bem indicar uma obra que seja edificante, mesmo que o autor da mesma não seja católico.

4.       Um último porquê: Porque não podemos ensinar a verdade como quem coloca um tampão nos ouvidos e nos olhos dos outros pra que eles não vejam nem escutem opiniões contrárias. Eu bem sei que membros da Igreja agiram assim em determinados momentos da história e sei, também, que há movimentos, institutos e congregações que agem assim até hoje, empobrecendo o livre exercício do pensar nos seus membros. Mas a solução para formar um povo de reta doutrina é: Dar formação ao invés de proibir ou “não recomendar” o acesso.

Uma última alegação que eu quero responder aqui: Mas a gente não pode preferir músicos católicos, priorizar músicos católicos, incentivar as canções de autores católicos? Não somente a gente pode como a gente deve! Valorizar aquilo que os irmãos que lutam lado a lado com a gente nos nossos grupos de oração é, no mínimo, justo e necessário! Eu aproveito aqui pra deixar bem claro:  ACHO QUE ISSO QUE DEVE SER FEITO! O que não pode acontecer é a gente atrelar esse incentivo dos nossos a uma proibição daqueles que embora não estando em comunhão plena, também podem nos edificar, porque esse tipo de proibição ou desaconselhamento – que, na práxis, funciona como uma proibição -  a Igreja não faz. O que é preferência nossa e valorização dos nossos irmãos que batalham lado a lado com a gente deve sempre ter esse caráter: O de preferência e valorização!

Eu entendo quando um católico tradicionalista toma uma posição arredia nesse campo – embora eu conheça vários de uma linha mais conservadora e de viés tradicionalista que reconhecem o maravilhoso legado luterano, anglicano e metodista no campo das artes (sobretudo na música). O que eu não posso aceitar e acho ser simplesmente inconcebível é ver um posicionamento arredio por parte de católicos afins à Renovação Carismática. No caso dos carismáticos... A oposição a tudo o que tenho exposto até agora é de uma ignorância que não tem tamanho e eu me sinto consternado com isso.

A questão ecumênica não é periférica, mas central e essencial na RCC.  Se o fato de um conteúdo ou experiência ser “protestante” é suficiente pra ser rejeitada... Então eu preciso concordar com o finado Prof. Orlando Fedeli e dizer aqui que a própria RCC é a fumaça de Satanás dentro da Igreja Católica, como ele dizia. E  por quê?

1.       Porque a RCC nasceu inegavelmente do Pentecostalismo Evangélico. Aqueles três professores batizados no Espírito Santo que organizaram o retiro de Dusquene leram livros evangélicos, frequentaram reuniões de oração evangélicas em casas de família e convidaram uma palestrante evangélica pro retiro de Duquesne!

2.       Nos inícios da RCC havia grupos frequentados por católicos e evangélicos juntos. Houve um grande congresso em 1977 no Kansas realizado por Católicos e Evangélicos – Aliás, diga-se de passagem, foi nesse congresso que o Frei Raniero Cantalamessa experimentou o primeiro impacto da experiência carismática.

3.       Eu ouvi da boca do Pe. Eduardo Dougherty, do Pe. Haroldo Rahm, do Reinaldo Beserra e do Tatá, meus amigos, que pastores evangélicos eram convidados a pregar nos nossos primeiros congressos e que membros de igrejas evangélicas participavam como conselheiros.

4.       Grande parte das músicas e da literatura usadas pela RCC por 40 anos era evangélica. Muitos dos nossos livros e apostilas oficiais possuem, em suas fontes bibliográficas, citações de livros de autores evangélicos.

É porque toda a verdade vem do Espírito Santo independente da pessoa que a pronuncia que nós podemos nos tranquilizar. A Igreja teve a capacidade de acolher a experiência pentecostal, recolher aquilo que era bom, rejeitar aquilo que não condiz com a nossa tradição e, assim, nós temos a RCC.  E este era o critério de ontem, é o critério de hoje e será o critério de amanhã e de sempre!

Eu quero agora, por fim, abordar a questão da licitude ou não de canções de autores não católicos nas Assembleias litúrgicas, sobretudo na Missa.

1.       Tudo que falamos até agora deve ser aplicado igualmente para a celebração Eucarística.

2.       Uma canção não se torna apta para a liturgia em virtude de seu autor, mas sim por seu conteúdo e melodia, que devem atender ao sentido litúrgico.

O livro de cânticos mais tradicional da Alemanha – O Gotteslob - pra citar um exemplo, tem músicas de autoria católica, luterana, e outras que não se sabe ao certo a proveniência do autor. Os alemães são tão metódicos e organizados que essas canções (as que não se sabe ao certo a autoria) estão dispostas com a mesma numeração tanto na versão católica quanto na versão luterana. Nos Estados Unidos esse livro foi traduzido ao inglês e é usado nas celebrações litúrgicas. Há canções desse livro traduzidas e cantadas na língua portuguesa que são de autoria protestante. Cito, por exemplo, o belíssimo hino “Deus Eterno a vós Louvor”.

Vou afirmar aqui sem medo algum: Há canções de autores protestantes muito mais apropriadas para a liturgia que certas canções de autores católicos por aí.

Mas até agora eu fiz citações de obras e autores do Protestantismo Clássico. Para que ninguém use essa desculpa, cito também algumas obras maravilhosas de autores do Pentecostalismo Clássico:

1.       Cito a Cantata Vento Livre da Igreja Batista do Morumbi, composta por Guilherme Kerr, Jorge Camargo, Jorge Rehder, João Alexandre e Nelson Bomilcar, com algumas canções sumamente apropriadas para a celebração da Santa Missa.
2.       Cito um sem fim de canções do cantor e compositor Asaph Borba. Dentre elas eu citaria, por exemplo, a Canção “Melhor é Dar” que daria um hino de campanha da Fraternidade e tanto!
3.       Cito o autor e compositor Bené Gomes, líder do Ministério Koinonia de Louvor, autor da Canção “Oferta de Amor”, tão cantada nos nossos ofertórios. 

Eu finalizo essa reflexão fazendo algumas ressalvas importantes, alguns cuidados pastorais que precisamos ter e algumas premissas que merecem ser ressaltadas no final de toda essa reflexão:

1.       Em nossos cultos de oração a música deve ser necessariamente católica.
2.       A autoria não confere necessariamente catolicidade a uma obra.
3.       Toda verdade, dita por quem quer que seja, vem do Espírito Santo.

Alguns cuidados pastorais:

A Igreja Evangélica no mundo é uma igreja em crise. A Teologia da Prosperidade infestou muitas igrejas e o resultado é pernicioso. Alguns evangélicos ainda batem no peito dizendo: “O número de evangélicos está crescendo... Seremos maioria em pouco tempo, etc”... Mas o fato é que esse crescimento é preocupante até para os evangélicos sérios que existem e estão por aí. Por quê? Porque a imoralidade tah crescendo, o pecado tah crescendo, a carnalidade tah crescendo e o número de evangélicos está crescendo? Muito estranho! No Avivamento de Azuza Street, em 1906, que é o marco do Movimento Pentecostal, houve em Los Angeles uma diminuição da criminalidade e da imoralidade – e isto está até registrado nos jornais!!! A Igreja Evangélica que está crescendo no Brasil é a da “prosperidade”, aquela que tem o HOMEM no centro e Deus como seu servo! Como consequência disso, as canções dos últimos 20 anos maios ou menos estão cheias dessa teologia da prosperidade. Portanto, meus amigos, precisamos conhecer a doutrina pra não encher o nosso culto dessa nefasta doença que está tomando o cristianismo!

A formação do nosso povo é uma necessidade imperiosa. 


De verdade, que saudades de tempos nos quais os autores de qualquer obra cristã ao invés de assinarem seus nomes escreviam apenas “Para a Glória de Deus”.