As distinções entre dons, virtudes e frutos
Pela “inabitação” da Santíssima
Trindade na nossa alma (cf. Jo 14, 23; 1 Jo 4, 16; 1 Cor 3. 16-17), o “homem
novo” que vive “não segundo a carne, mas segundo o Espírito”, experimenta em
seu ser o aflorar de todo um dinamismo de vida espiritual, que é a vida em
abundância, a vida plena! Com o desejo de entender as diferentes manifestações
do Divino Espírito Santo na alma do homem que nasceu de novo em Cristo Jesus, a
Igreja faz uma série de distinções puramente intelectivas, cujo único fim é
ajudar o nosso entendimento acerca da realidade que acontece no nosso interior
e dele aflora. O Espírito Santo orna a alma do fiel com dons, virtudes e frutos
(ou “o fruto”). De acordo com aquilo que nós enxergamos desses dons e virtudes
– phenomenon – nós conseguimos
elencar algumas características e, assim, fazer algumas distinções entre eles.
Os Dons do Espírito Santo, por
exemplo. Pela inabitação da santíssima trindade, todo o cristão participa da
vida mesma da Trindade e participa do múnus sacerdotal, profético e régio de
Jesus Cristo. Os dons – charismata –,
listados em Isaías 11, são “resultado” da própria presença do Espírito Santo na
nossa alma... São os chamados dons infusos ou de santificação (Gratium
Faciens). Receber os sete dons do
Espírito Santo é ter a plenitude de Sua presença (o número sete tem sempre essa
conotação). Sem o Espírito Santo a obra da santificação se torna impossível. Tendo
a plenitude do Espírito em nós, somos lançados pelo mesmo Espírito para a comunhão de pessoas, pois o próprio
Espírito é Comunhão de Pessoas no seio de Trindade, e nós conformamos, assim, a
ECCLESIA, a Igreja. Na comunhão de pessoas, o Espírito Santo se manifesta para
edificação de todos... Pessoas, cheias do Espírito Santo, edificam-se
mutuamente na manifestação do Espírito Santo. Ao observarmos o fenômeno da
manifestação, faz-se uma distinção desse agir peculiar do Espírito... Aparecem
os dons de serviço ou de edificação do próximo ou dons efusos (gratiae gratis datae).
Por que fazemos esta distinção?
Apenas para fazer uma apreciação intelectiva da manifestação do Espírito. Os
dons da santificação não são também de serviço? Acabam sendo sim, uma vez que
capacitam o “homem novo” para toda boa obra. E os dons de serviço não são
também de santificação? Acabam sendo também, uma vez que servir é meio eficaz
para a nossa santificação.
Como se não bastasse, nós temos,
ainda, todo o universo das virtudes (virtus,
em latim, quer dizer “força”). O Espírito Santo nos dá força. “Se vivemos pelo
Espírito, andemos também no Espírito”, disse Paulo aos Gálatas. Somos
capacitados inteiramente (corpo & alma, virtudes teologais e Morais) para
uma vida ascética que renuncia os prazeres da carne, porque eles se opõem ao
Espírito Santo. Temos, portanto, virtudes Teologais e virtudes morais.
Vale, ainda, mencionar que a ação
do Espírito Santo que se dá por meio dos dons e virtudes, produz, na alma
daquele que corresponde as suas ações,
aquilo que nós chamamos de frutos do
Espírito Santo. Santo Agostinho explica que São Paulo não tinha o intuito de
dar o número exato desses frutos, mas apenas desejava mostrar o "gênero de
coisas" geradas pelo Espírito na alma do fiel que corresponde as suas operações.
Santo Tomás de Aquino, na mesma linha, afirma que os doze frutos listados por
São Paulo na carta aos Gálatas “resumem”, “contêm em si”, as diversas
consequências geradas pelo Espírito Santo na vida do fiel.
Para terminar a questão das
distinções, volto no início: Estamos falando de Dons, Virtudes e Frutos que
emanam da “inabitação” da Santíssima Trindade na nossa alma. São estes os
únicos “dons” que recebemos de Deus (lembrando que as virtudes e os frutos
também são DONS)? É evidente que não! Os sacramentos são DONS. A Igreja e tudo
o que nela há são dons. A criação é um dom. A vida é um dom. Tudo, absolutamente
TUDO o que existe é DOM.
Serviços
e Ministérios
a)
O emprego
da palavra “ministério”
A palavra ministério, na Bíblia,
na maioria das vezes em que aparece, significa serviço. No Novo Testamento a
palavra grega para ministério é “diakonia” e indica a prestação de algum tipo
de serviço ou trabalho. Como, por exemplo, nesse texto: “e, quanto a nós, nos
consagraremos à oração e ao ministério [diakonia] da palavra.” (At 6, 4). Ou
seja, eles se dedicariam ao trabalho, ao serviço da pregação da palavra de
Deus.
Na Bíblia temos essa palavra
aplicada aos vários serviços especiais designados por Deus aos seus servos. Por
exemplo, vemos na Bíblia citados o ministério dos levitas, dos sacerdotes, dos
profetas, dos apóstolos, etc. (2 Cr 6. 32; At 1. 25).
Tradicionalmente a palavra
ministério sempre foi empregada para os ministros ordenados – diáconos, padres
e Bispos – motivo pelo qual, aqui no Brasil, quando a Renovação começou a
empregar o termo ministério para os diversos serviços e apostolados do
Movimento, houve uma orientação para que se abolisse o termo. Assim, a
Renovação passou a utilizar, naquele então, o termo secretaria. Tínhamos, por
exemplo, a Secretaria Moisés para os intercessores; Secretaria Rafael para os
irmãos que oram por cura e libertação, e assim por diante.
Foi quando São João Paulo II
escreveu a Encíclica Christifidelis Laici sobre a vocação e a missão dos Leigos
na Igreja que a Renovação voltou a adotar, agora sob fundamentação de uma
encíclica, o termo ministério para os diversos serviços do Movimento.
Ainda há resistências quanto ao
uso deste termo, como também há resistências ao uso da palavra Batismo para
descrever a experiência crítica e de sentido que está na base e na identidade
da Renovação Carismática. Vamos ilustrar esta questão semântica usando os
termos ministério, batismo e Igreja, de modo a ilustrar bem a questão:
Se nós
utilizamos a palavra Igreja no seu sentido teológico de Corpo Místico de
Cristo, seria errado dizer “Igreja Anglicana”, “Igreja Luterana”, etc., porque,
neste sentido, a Igreja é Una. Agora, se a palavra é usada no seu sentido
etimológico – assembleia, congregação – a palavra está bem empregada.
Quando
utilizamos a expressão Batismo no Espírito Santo para definir a nossa
experiência carismática fundante, é evidente que estamos utilizando o sentido
etimológico e não o sacramental, pois não propomos um segundo batismo
sacramental.
Quando
utilizamos a palavra Ministério, portanto, utilizamos o mesmo critério
etimológico, para dar nome a um serviço específico.
b)
Origem e
diversidade dos Ministérios
A parábola dos talentos nos
ensina que todos os dons precisam ser trabalhados, colocados a serviço. Neste
sentido, o dom da vida precisa ser trabalhado, colocado a serviço... É o nosso
primeiro “ministério”, se usamos a palavra “ministério” no seu sentido
etimológico de “serviço”.
Na Igreja, um ministério sempre
nasce da conjunção de três elementos:
·
Um dom recebido de Deus;
·
Um “chamado” da parte de Deus;
·
Uma confirmação deste chamado por parte da
Comunidade
Há uma
distinção a ser feita entre os ministérios. Por quê? Porque há uma distinção
entre os dons. Se os ministérios emanam dos dons... A consequência lógica é que
façamos distinções entre os diversos ministérios.
Nós temos
ministérios diversos, que emanam do exercício dos dons naturais (aprendidos
naturalmente), das virtudes (teologais e morais) e do exercício dos dons de
santificação, que nos impelem a agir como Cristo. Por outro lado, nós temos os
ministérios oriundos dos “carismas efusos”. Quantos são esses carismas? Quantos
o Espírito Santo desejar! Quantos são os ministérios? Quantos o Espírito Santo
desejar. Por fim, nós temos os Ministérios de raiz sacramental.
Nós temos, na Igreja, uma série
de serviços de caridade. Mas tão pouco a caridade, embora seja DOM de Deus,
entra dentro das categorias de Gratium
Faciens e Gratia Gratis Data.
Veja o que o Cardeal Paul j. Cordes diz a respeito:
Como é comunhão com a própria vida de
Deus, a caridade não é carisma, mas a fonte dos carismas. O amor é “um caminho
infinitamente superior” (I Cor 12, 31). A Igreja sempre ensinou esta diferença:
a graça santificadora (Gratium Faciens) os carismas (gratiae gratis datae) são
vistos em diferenciação, o que S. Paulo mostra na Primeira Epístola aos
Coríntios, na qual coloca a análise do amor, o hino ao amor (I Cor 13), entre
duas análises dos carismas e do seu exercício apropriado (I Cor 12 e 14). O
amor e os carismas não se opõem mutuamente. Assim ele descreve esse
relacionamento: “Procurai o amor, aspirai às manifestações espirituais. (I Cor
14, 1).
Sendo
assim, nós precisamos distinguir para melhor entender. A origem do dom recebido
vai definir a natureza do ministério que nós estamos exercendo. O ministério
pode ser:
·
De raiz
natural: Dom aprendido, aptidão natural.
·
De raiz
carismática:
- Dons infusos;
- Dons Efusos;
·
De raiz
sacramental;
É evidente
que estas distinções não são “puras”. Estamos fazendo aqui distinções
intelectivas para melhor entender a origem. Contudo, fora do “tubo de ensaio”,
fora do “laboratório” no qual costumamos distinguir as coisas (que portanto
nunca se aplica stricto sensu na vida real), o que acontece é um híbrido disso:
Aptidões naturais, dons carismáticos e sacramentos sendo recebidos e
performando um único ministério.
Ministérios na Renovação Carismática
Católica do Brasil
Tendo
colocado todas estas distinções, eu desejo adentrar o “universo” dos carismas e ministérios na Renovação
Carismática Católica. O fato de não se levar em conta todos os matizes que,
até o momento, levantamos aqui é o que gera toda a sorte de confusão com a qual
nós já estamos tão acostumados.
A
principal característica das nossas assembleias de oração que nos valeu o nome
de “Renovação Carismática” é a manifestação dos carismas efusos, que geralmente
aparecem como fruto da experiência do Batismo no Espírito Santo. Nós estamos
falando, portanto, do coração do
Movimento Carismático. A recepção e o exercício desses carismas efusos gerou
alguns ministérios. Outros serviços também apareceram, com a mesma denominação
de “ministério”, para atender aos diversos estados de vida e às mais diversas
áreas de atuação do convívio humano.
Dos ministérios existentes hoje
na Renovação Carismática Católica do Brasil, eu faria a seguinte subdivisão:
Ministérios
oriundos de carismas efusos: Pregação, Cura & Libertação, Louvor (expresso
através da música), Intercessão e Formação (pois a bíblia fala do carisma e do
múnus do ensino).
Ministérios
que são a Renovação Carismática COMO UM TODO dirigida a um determinado estado
de vida: Jovens, Crianças, Famílias, Universitários, Religiosas, Seminaristas,
Sacerdotes.
Ministérios
que são a Renovação Carismática COMO UM TODO atuando em importantes áreas do
convívio humano: Fé & Política, Promoção Humana, Comunicação Social.
Como eu já havia dito
anteriormente, a palavra “ministério” está
bem empregada se nós a considerarmos desde o prisma etimológico. É inegável,
contudo, que a unificação da nomenclatura gera uma série de confusões tão
exaustivamente já conhecidas por todos. Mas se nós tivermos estas distinções
bem esclarecidas... Acredito que podemos dar a volta por cima.
Confusões
sobre a pertença a um determinado ministério da RCC
O que devia existir para
organizar (os diversos ministérios) acabou por engessar e segmentar demais a
Renovação sob muitos aspectos (e esta não é a minha opinião isolada, pois ouvi
isto de irmãos notáveis dentro da RCC). Quando percebemos que um jovem
universitário não faz formação de pregação, ou de cura e libertação, ou de
Música e Artes, ou de intercessão porque “meu ministério é Universidades
Renovadas” (embora ele exerça os carismas efusos nas Universidades) ...
Percebemos a verdadeira confusão que há na cabeça do nosso povo!
Recordo-me que, quando eu estava
na equipe estadual do Ministério Jovem no Rio Grande do Sul, nós começamos a
criar os ministérios de pregação, cura, Música & Artes e intercessão dentro
do Ministério Jovem – ou seja, criamos uma Renovação a parte! Por outro lado,
isto demonstra como percebíamos que, como carismáticos, nosso modo de
evangelizar era este: Pregar, Louvar, Interceder e Ministrar a Cura. Nós
erramos na solução da questão (criando ministérios dentro do Ministério), mas a
intuição era correta.
Todos os servos da Renovação
Carismática – não importando se é jovem, universitário, religioso,
evangelizador de crianças ou seja lá o que for – deveriam depender
formativamente dos Ministérios de Pregação, Cura, Louvor e Intercessão.
Um jovem do Ministério de
Universidades Renovadas pode rezar por cura e libertação? É claro que sim! Pode
ministrar louvor? Claro! Interceder? ... Pregar? ... Não somente pode... Deve!
Nós precisamos de ministros da
pregação, da cura, do louvor e da intercessão em todos os serviços e estados de
vida da Renovação Carismática Católica! Precisamos destes ministros em todos os
“ministérios”!
Recordemos, ainda, que o Espírito
Santo distribui seus dons como lhe apraz, de modo que um pregador também pode
interceder, ministrar louvor e orar por cura se o Espírito Santo assim lhe
capacitar, assim como um intercessor pode pregar! Uma coisa são os dons
carismáticos recebidos e outra é o chamado ministerial do servo – embora haja
uma profunda conexão entre o carisma e o ministério. Por quê? Porque o
ministério não é constituído apenas da recepção do DOM, mas também do “chamado
de Deus” e da “confirmação da comunidade”.
Ainda falando de confusões neste
campo, já vi gente negando oração por aí dizendo: “não é o meu ministério”.
Realmente... Não é por aí!
Nós somos batizados e crismados.
Deus pode nos usar pontualmente em qualquer ministério carismático, porque é
Ele quem distribui os carismas como lhe apraz e no momento que lhe apraz. Nem
sempre um carisma recebido constituirá um ministério.... Às vezes será apenas
para um momento pontual.
Considerações
Finais
A questão da correta nomenclatura
para os diversos serviços e ministérios dentro da RCC do Brasil não compete a
mim, mas aos respectivos líderes do nosso Movimento. Eu tenho para comigo,
contudo, que o “nome” é a coisa menos importante nesta questão. O que importa
realmente é ter os conceitos claros.