terça-feira, 27 de outubro de 2015

O LIVRO DO APOCALIPSE E A LITURGIA DA SANTA MISSA


O Apocalipse como Chave de Leitura para o entendimento da Santa Missa: A dimensão Escatológica da Liturgia

Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos, nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória. (Sacrossantum Concilium).

Em seu livro O Banquete do Cordeiro o Dr. Scott Hahn, Ph.D. defende que o livro do Apocalipse é a chave de leitura para o entendimento da Santa Missa e que, por sua vez, a Santa Missa é a chave de leitura para o entendimento do Apocalipse.

Logo no prefácio do livro, o Padre Benedict J. Groeschel afirma:

A Missa, ou, como é chamada de forma mais precisa nas Igrejas Orientais, a Divina Liturgia, é uma realidade tão rica que há tantas abordagens teológicas válidas para ela como existem para todo o mistério do próprio Cristo. A Eucaristia é parte da grande montanha viva que é Cristo, uma imagem utilizada pelos santos antigos da Terra Santa. Esta montanha pode ser abordada a partir de muitos lados. Esta abordagem escatológica é uma das mais intrigantes e frutíferas.

Scott recorda que o desejo de Deus no Apocalipse é, como o próprio nome do livro diz, revelar algo ao invés de esconder algo enigmaticamente. Infelizmente, a simples ideia de que o Apocalipse tenha alguma relação com a Santa Missa parece absurda para muitos cristãos.

Sobre esta abordagem de Scott, Pe. Benedict afirma:

A Missa na terra é a apresentação do Banquete das núpcias do Cordeiro. Como o Dr. Hahn aponta, a maioria dos cristãos ou se esquiva do livro do Apocalipse e seus misteriosos sinais ou criam suas próprias pequenas teorias peculiares sobre quem é quem e onde tudo vai acabar.

A visão do Apocalipse como sendo a celebração da nossa liturgia desde as perspectivas celestiais é baseada numa interpretação escatológica muito antiga da Eucaristia dada pelos Padre Orientais do Século II a VI. O Padre Benedict recorda que Santo Agostinho foi um dos Bispos a insistir na permanência do Livro do Apocalipse (bem como da Carta ao Hebreus) no cânon das escrituras:

Foi Santo Agostinho que insistiu em colocar o Apocalipse, bem como a carta aos Hebreus, no Cânon do Novo Testamento no Concílio dos bispos africanos realizado no final do século IV. Podemos espiritualmente, por Sua grande misericórdia, “tocar por um instante a Fonte da Vida onde Ele alimenta Israel para sempre." Mas, além desses momentos especiais de contemplação, podemos ver simbolicamente na celebração diária da missa as realidades da adoração celestial do Sumo Sacerdote e Seu corpo místico.

São João Paulo II chamou a missa de “céu na terra'', explicando que ' a liturgia que celebramos na terra é uma misteriosa participação na liturgia celeste." Contando sua experiência de conversão, aquele que era, então, um Pastor Presbiteriano, descreveu assim suas impressões a respeito da missa:

Voltei à missa no dia seguinte e no outro dia e no outro. Cada vez que eu voltava, eu 'descobria'' mais passagens das Escrituras cumpridas diante dos meus olhos. No entanto, nenhum livro foi tão visível para mim, naquela capela escura, quanto o Livro da Revelação, o Apocalipse, que descreve a adoração dos anjos e santos do céu. Como no livro, vi, nessa capela, sacerdotes paramentados, um altar, uma congregação cantando '' santo, santo, santo ''. Eu vi a fumaça de incenso; ouvi a invocação de anjos e santos, eu mesmo cantei os “aleluias”, pois fui atraído cada vez mais a este culto. Eu continuei a sentar-me no último banco com a minha Bíblia, e eu mal sabia para onde olhar - para a ação no Apocalipse ou a ação no altar. Cada vez mais, elas pareciam ser a mesma ação.

E continua:

Mergulhei com vigor renovado em meu estudo do cristianismo antigo e descobri que os primeiros bispos, os Padres da Igreja, tinham feito a mesma '' descoberta '' que eu estava fazendo todas as manhãs. Eles consideravam o livro do Apocalipse a chave para a liturgia, e a liturgia a chave do livro do Apocalipse. Algo poderoso estava acontecendo comigo como estudioso e crente. O livro da Bíblia que eu tinha encontrado mais desconcertante, o Livro de Apocalipse, agora iluminava as ideias que eram mais fundamentais para a minha fé: a ideia da aliança como elo sagrado da família de Deus. Além disso, a ação que eu tinha considerado a suprema blasfêmia - a Missa - agora acabou por ser o evento que selou a aliança de Deus. '' Este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança.''

Ele recorda, também, que a palavra parusia, já cunhada para aludir à segunda vinda de Cristo, significa, antes de tudo, presença. O livro não é somente profecia acerca de coisas que hão de vir, mas revelação para o hoje da Igreja. Fala da parusia do Senhor na Igreja.

Hoje em dia, a maioria de nós associamos parusia com a segunda vinda de Jesus no fim do mundo. E isto é verdade sim; São João e Jesus estavam falando do final da história. Penso, no entanto, que também — e principalmente — estavam falando do fim de um mundo: a destruição do Templo de Jerusalém, e com ela o fim do mundo da Antiga Aliança, com seus sacrifícios e rituais, e suas barreiras entre céu e terra. A parusia (ou vinda) de Jesus seria mais que um final; seria um começo, uma nova Jerusalém, uma Nova Aliança, um céu e uma terra novos.

Tanto São João como Jesus se referem não só a uma distante parusia, ou retorno, mas à contínua parusia de Jesus, que teve lugar na primeira geração cristã, como continua tendo lugar hoje. Não deveríamos esquecer que o sentido original da palavra grega parusia é “presença” e a presença de Jesus é real e permanente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Por isso, quando João e Jesus disseram “logo”, creio que diziam muito literalmente. Pois a Igreja é o reino que já começou sobre a terra, e é o lugar da parusia em cada Missa.

“A liturgia é uma parusia antecipada, a irrupção do "já" no "ainda não"», escreveu o cardeal Joseph Ratzinger.

São João, talvez o maior mestre no método da tipologia bíblica, diz, no primeiro capítulo do Apocalipse: “No primeiro dia da semana, eu, João vi”. Há, aqui, uma clara alusão ao Domingo, o Dia do Senhor no qual tradicionalmente se celebrava a Eucaristia.

Muitos estudiosos (até mesmo protestantes) confirmam o fato de que existe, no Apocalipse, um rito, uma liturgia acontecendo. As descrições de São João batem perfeitamente com o Templo construído por Salomão (que por volta daquele tempo já havia sido destruído). João vê candelabros, altar, sacerdotes paramentados, o cordeiro, incenso, anjos, santos, a virgem Maria como a Nova Arca da Aliança e a mulher vestida de Sol; há frases e respostas, momentos de exultação e momentos de um profundo silêncio.

Scott Hahn descreve:

Só quando comecei a participa da missa que muitas partes deste “livro quebra-cabeças” começaram de repente a se encaixar. Não passou muito, eu consegui ver o sentido do altar da Revelação (Ap 8,3), seus sacerdotes revestidos (Ap 4,4), velas (Ap 1,12), incenso (Ap 5,8), o maná (Ap 2,17), os cálices (Ap 16), o culto dominical (Ap 1,10), a importância dada à Santíssima Virgem Maria (Ap 12,1-6), O “Santo, Santo, Santo “(Ap 4,8), o Glória (Ap 15,3-4), o sinal da Cruz (Ap 14,1), o Aleluia (Ap 19, 1.3.6), as leituras da Escritura (Ap 2-3) e o “Cordeiro de Deus” (muitas e muitas vezes). Tudo isso não são interrupções da narrativa ou detalhes acidentais, são a substância do Apocalipse.

O Dr. Hahn nos faz perceber o que, para um judeu daquele tempo, seria nítido e revelador: João vê o Templo! O templo é o lugar do sacrifício, do sacerdócio, da liturgia, da celebração da aliança. Vejamos o que o Doutor diz a respeito:

No Templo, como no céu de João, o menorah (sete candelabros de ouro, Ap 1,12) e o altar do incenso (8,3-5) estavam diante do Santo dos Santos. Quatro querubins esculpidos adornavam as paredes no Templo, como as quatro criaturas viventes que serviam diante do trono no Céu joanino. Os vinte e quatro anciãos de Apocalipse 4,4 (em grego presbyteroi, de onde provem o termo “presbíteros”) copiam as vinte e quatro divisões sacerdotais que oficiavam o Templo ao longo do ano. O “oceano transparente como um cristal” (Ap 4,6) era a grande piscina de bronze do Templo, com capacidade de 50.000 litros de água. No centro do Templo apocalíptico, tal como no Templo de Salomão, estava a Arca da Aliança (Ap 11,19).

O Apocalipse era uma revelação do Templo – mas, para os judeus devotos e os convertidos ao cristianismo, ele também revelava muito mais.  Pois o Templo e suas ornamentações apontavam às realidades mais elevadas. Como Moisés (veja Ex 25,9), o rei Davi tinha recebido o plano do Templo do próprio Deus:

“Tudo isso segundo o que o Senhor tinha escrito com sua própria mão para tornar compreensível todo o trabalho cujo modelo ele dava” (1Cr 28,19).  O Templo deveria ser construído imitando a corte celeste: “Mandaste-me construir um templo no vosso santo e um altar na cidade onde fixaste a tua tenda: cópia da tenda santa que preparaste desde a origem”. (Sb 9,8)

De acordo com as antigas tradições judaicas, a adoração no Templo de Jerusalém imitava a adoração dos anjos no céu. O sacerdócio levítico, a liturgia da aliança, os sacrifícios eram um espelho dos modelos celestes.

Scott escreve:

O livro do Apocalipse apontava ainda para algo diferente, algo maior. Enquanto Israel orava imitando os anjos, a Igreja do Apocalipse adorava junto com os anjos (19,10). Enquanto somente os sacerdotes eram permitidos no lugar sagrado do Templo de Jerusalém, o Apocalipse mostra uma nação sacerdotal (5,10; 20,6) vivendo sempre na presença de Deus. Daí em diante não haveria já um arquétipo celeste e uma imitação terrena. O Apocalipse agora revelava um único culto compartilhado por homens e anjos!

Olhe de novo e descubra que o fio de ouro da liturgia é o que sustenta as pérolas apocalípticas da visão de São João:

Culto dominical      Ap 1,10
Sumo Sacerdote      Ap 1,13
Altar   Ap 8,3-4; 11,1; 14,18
Sacerdotes (presbyteroi)   Ap 4,4; 11,15; 14,3; 19,4
Ornamentos Ap 1,13; 4,4; 6,11; 7,9; 15,6; 19,13-14
Célibes consagrados           Ap 14,4
Candelabros, ou menorah            Ap 1,12; 2,5
Penitência    Ap 2 e 3
Incenso         Ap 5,8; 8,3-5
Livro ou pergaminho         Ap 5,1
Hóstia Eucarística  Ap 2,17
Cálices           Ap 15,7; cap. 16; 21,9
O sinal da cruz (o tau)       Ap 7,3; 14,1; 22,4
O Glória        Ap 15,3-4
O Aleluia       Ap 19, 1.3.4.6
Elevemos o coração            Ap 11,12
“Santo, Santo, Santo”        Ap 4,8
O Amém       Ap 19,4; 22,21
O “Cordeiro de Deus” Ap 5,6 e ao longo de todo o livro
O lugar proeminente da Virgem Maria Ap 12,1-6; 13-17
Intercessão de anjos e santos      Ap 5,8; 6,9-10; 8,3-4
Devoção a São Miguel        Ap 12,7
Canto de antífonas Ap 4,8-11; 5,9-14; 7,10-12; 18,1-8
Leitura da Sagrada Escritura       Ap 2-3; 5; 8,2-11
Sacerdócio dos fiéis     Ap 1,6; 20,6
Catolicidade ou universalidade   Ap 7,9
Silêncio meditativo                Ap 8,1
O banquete nupcial do Cordeiro Ap 19,9; 17

Em conjunto, estes elementos constituem muito do Apocalipse... e a maior parte da Missa. Outros elementos litúrgicos do Apocalipse podem passar facilmente inadvertidos aos leitores de hoje. Por exemplo, pouca gente sabe que as trombetas e as arpas eram os instrumentos oficiais da música litúrgica nos tempos de João, como o são hoje os órgãos no Ocidente. E ao longo da visão de João, os anjos e Jesus bendizem usando fórmulas litúrgicas estabelecidas: “bendito o que...”. Se você voltar a ler o Apocalipse de cima a baixo, se dará conta também de que todas as grandes intervenções históricas de Deus — pragas, guerras, etc.— seguem ao pé da letra ações litúrgicas: hinos, doxologias, libações, incensários.


O livro de Scott merece realmente ser lido na íntegra, mas o que fica claro e evidente aqui é que: O Apocalipse é a Liturgia Eucarística desde a perspectiva celestial, e Deus quis nos dar esta perspectiva quando inspirou o hagiógrafo. O cordeiro, que está imolado, mas está de pé e vive pelos séculos dos séculos é o Cristo Jesus, presença real em nossos altares. Aleluia!

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