O Apocalipse como Chave de Leitura para o entendimento da Santa Missa: A
dimensão Escatológica da Liturgia
Pela Liturgia da terra participamos,
saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém,
para a qual, como peregrinos, nos dirigimos e onde Cristo está sentado à
direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; por meio
dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército
celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos,
e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa
vida e nós aparecermos com Ele na glória. (Sacrossantum Concilium).
Em seu
livro O Banquete do Cordeiro o Dr. Scott Hahn, Ph.D. defende que o livro do Apocalipse é a chave de
leitura para o entendimento da Santa Missa e que, por sua vez, a Santa Missa é
a chave de leitura para o entendimento do Apocalipse.
Logo no
prefácio do livro, o Padre Benedict J. Groeschel afirma:
A Missa, ou, como é chamada de forma
mais precisa nas Igrejas Orientais, a Divina Liturgia, é uma realidade tão rica
que há tantas abordagens teológicas válidas para ela como existem para todo o
mistério do próprio Cristo. A Eucaristia é parte da grande montanha viva que é
Cristo, uma imagem utilizada pelos santos antigos da Terra Santa. Esta montanha
pode ser abordada a partir de muitos lados. Esta abordagem escatológica é uma
das mais intrigantes e frutíferas.
Scott
recorda que o desejo de Deus no Apocalipse
é, como o próprio nome do livro diz, revelar
algo ao invés de esconder algo
enigmaticamente. Infelizmente, a simples ideia de que o Apocalipse tenha alguma
relação com a Santa Missa parece absurda para muitos cristãos.
Sobre esta
abordagem de Scott, Pe. Benedict afirma:
A Missa na terra é a apresentação do
Banquete das núpcias do Cordeiro. Como o Dr. Hahn aponta, a maioria dos
cristãos ou se esquiva do livro do Apocalipse e seus misteriosos sinais ou
criam suas próprias pequenas teorias peculiares sobre quem é quem e onde tudo
vai acabar.
A visão do
Apocalipse como sendo a celebração da nossa liturgia desde as perspectivas
celestiais é baseada numa interpretação escatológica muito antiga da Eucaristia
dada pelos Padre Orientais do Século II a VI. O Padre Benedict recorda que
Santo Agostinho foi um dos Bispos a insistir na permanência do Livro do
Apocalipse (bem como da Carta ao Hebreus) no cânon das escrituras:
Foi Santo Agostinho que insistiu em
colocar o Apocalipse, bem como a carta aos Hebreus, no Cânon do Novo Testamento
no Concílio dos bispos africanos realizado no final do século IV. Podemos
espiritualmente, por Sua grande misericórdia, “tocar por um instante a Fonte da
Vida onde Ele alimenta Israel para sempre." Mas, além desses momentos
especiais de contemplação, podemos ver simbolicamente na celebração diária da
missa as realidades da adoração celestial do Sumo Sacerdote e Seu corpo
místico.
São João
Paulo II chamou a missa de “céu na terra'', explicando que ' a liturgia que
celebramos na terra é uma misteriosa participação na liturgia celeste." Contando
sua experiência de conversão, aquele que era, então, um Pastor Presbiteriano,
descreveu assim suas impressões a respeito da missa:
Voltei à missa no dia seguinte e no
outro dia e no outro. Cada vez que eu voltava, eu 'descobria'' mais passagens
das Escrituras cumpridas diante dos meus olhos. No entanto, nenhum livro foi
tão visível para mim, naquela capela escura, quanto o Livro da Revelação, o
Apocalipse, que descreve a adoração dos anjos e santos do céu. Como no livro,
vi, nessa capela, sacerdotes paramentados, um altar, uma congregação cantando
'' santo, santo, santo ''. Eu vi a fumaça de incenso; ouvi a invocação de anjos
e santos, eu mesmo cantei os “aleluias”, pois fui atraído cada vez mais a este
culto. Eu continuei a sentar-me no último banco com a minha Bíblia, e eu mal
sabia para onde olhar - para a ação no Apocalipse ou a ação no altar. Cada vez
mais, elas pareciam ser a mesma ação.
E
continua:
Mergulhei com vigor renovado em meu
estudo do cristianismo antigo e descobri que os primeiros bispos, os Padres da
Igreja, tinham feito a mesma '' descoberta '' que eu estava fazendo todas as
manhãs. Eles consideravam o livro do Apocalipse a chave para a liturgia, e a
liturgia a chave do livro do Apocalipse. Algo poderoso estava acontecendo
comigo como estudioso e crente. O livro da Bíblia que eu tinha encontrado mais
desconcertante, o Livro de Apocalipse, agora iluminava as ideias que eram mais
fundamentais para a minha fé: a ideia da aliança como elo sagrado da família de
Deus. Além disso, a ação que eu tinha considerado a suprema blasfêmia - a Missa
- agora acabou por ser o evento que selou a aliança de Deus. '' Este é o cálice
do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança.''
Ele
recorda, também, que a palavra parusia,
já cunhada para aludir à segunda vinda de Cristo, significa, antes de tudo, presença. O livro não é somente profecia
acerca de coisas que hão de vir, mas revelação para o hoje da Igreja. Fala da parusia do Senhor na Igreja.
Hoje em dia, a maioria de nós
associamos parusia com a segunda vinda de Jesus no fim do mundo. E isto é
verdade sim; São João e Jesus estavam falando do final da história. Penso, no
entanto, que também — e principalmente — estavam falando do fim de um mundo: a
destruição do Templo de Jerusalém, e com ela o fim do mundo da Antiga Aliança,
com seus sacrifícios e rituais, e suas barreiras entre céu e terra. A parusia
(ou vinda) de Jesus seria mais que um final; seria um começo, uma nova
Jerusalém, uma Nova Aliança, um céu e uma terra novos.
Tanto São João como Jesus se referem
não só a uma distante parusia, ou retorno, mas à contínua parusia de Jesus, que
teve lugar na primeira geração cristã, como continua tendo lugar hoje. Não
deveríamos esquecer que o sentido original da palavra grega parusia é
“presença” e a presença de Jesus é real e permanente no Santíssimo Sacramento
da Eucaristia. Por isso, quando João e Jesus disseram “logo”, creio que diziam
muito literalmente. Pois a Igreja é o reino que já começou sobre a terra, e é o
lugar da parusia em cada Missa.
“A
liturgia é uma parusia antecipada, a irrupção do "já" no "ainda
não"», escreveu o cardeal Joseph Ratzinger.
São João,
talvez o maior mestre no método da tipologia bíblica, diz, no primeiro capítulo
do Apocalipse: “No primeiro dia da semana, eu, João vi”. Há, aqui, uma clara
alusão ao Domingo, o Dia do Senhor no qual tradicionalmente se celebrava a Eucaristia.
Muitos
estudiosos (até mesmo protestantes) confirmam o fato de que existe, no
Apocalipse, um rito, uma liturgia acontecendo. As descrições
de São João batem perfeitamente com o Templo construído por Salomão (que por volta
daquele tempo já havia sido destruído). João vê candelabros, altar, sacerdotes
paramentados, o cordeiro, incenso, anjos, santos, a virgem Maria como a Nova
Arca da Aliança e a mulher vestida de Sol; há frases e respostas, momentos de
exultação e momentos de um profundo silêncio.
Scott Hahn
descreve:
Só quando comecei a participa da
missa que muitas partes deste “livro quebra-cabeças” começaram de repente a se
encaixar. Não passou muito, eu consegui ver o sentido do altar da Revelação (Ap
8,3), seus sacerdotes revestidos (Ap 4,4), velas (Ap 1,12), incenso (Ap 5,8), o
maná (Ap 2,17), os cálices (Ap 16), o culto dominical (Ap 1,10), a importância
dada à Santíssima Virgem Maria (Ap 12,1-6), O “Santo, Santo, Santo “(Ap 4,8), o
Glória (Ap 15,3-4), o sinal da Cruz (Ap 14,1), o Aleluia (Ap 19, 1.3.6), as
leituras da Escritura (Ap 2-3) e o “Cordeiro de Deus” (muitas e muitas vezes).
Tudo isso não são interrupções da narrativa ou detalhes acidentais, são a
substância do Apocalipse.
O Dr. Hahn
nos faz perceber o que, para um judeu daquele tempo, seria nítido e revelador:
João vê o Templo! O templo é o lugar do sacrifício, do sacerdócio, da liturgia,
da celebração da aliança. Vejamos o que o Doutor diz a respeito:
No Templo, como no céu de João, o
menorah (sete candelabros de ouro, Ap 1,12) e o altar do incenso (8,3-5)
estavam diante do Santo dos Santos. Quatro querubins esculpidos adornavam as
paredes no Templo, como as quatro criaturas viventes que serviam diante do
trono no Céu joanino. Os vinte e quatro anciãos de Apocalipse 4,4 (em grego
presbyteroi, de onde provem o termo “presbíteros”) copiam as vinte e quatro
divisões sacerdotais que oficiavam o Templo ao longo do ano. O “oceano
transparente como um cristal” (Ap 4,6) era a grande piscina de bronze do Templo,
com capacidade de 50.000 litros de água. No centro do Templo apocalíptico, tal
como no Templo de Salomão, estava a Arca da Aliança (Ap 11,19).
O
Apocalipse era uma revelação do Templo – mas, para os judeus devotos e os
convertidos ao cristianismo, ele também revelava muito mais. Pois o Templo e suas ornamentações apontavam
às realidades mais elevadas. Como Moisés (veja Ex 25,9), o rei Davi tinha
recebido o plano do Templo do próprio Deus:
“Tudo isso segundo o que o Senhor
tinha escrito com sua própria mão para tornar compreensível todo o trabalho
cujo modelo ele dava” (1Cr 28,19). O
Templo deveria ser construído imitando a corte celeste: “Mandaste-me construir
um templo no vosso santo e um altar na cidade onde fixaste a tua tenda: cópia
da tenda santa que preparaste desde a origem”. (Sb 9,8)
De acordo
com as antigas tradições judaicas, a adoração no Templo de Jerusalém imitava a
adoração dos anjos no céu. O sacerdócio levítico, a liturgia da aliança, os
sacrifícios eram um espelho dos modelos celestes.
Scott
escreve:
O livro do Apocalipse apontava ainda
para algo diferente, algo maior. Enquanto Israel orava imitando os anjos, a
Igreja do Apocalipse adorava junto com os anjos (19,10). Enquanto somente os
sacerdotes eram permitidos no lugar sagrado do Templo de Jerusalém, o
Apocalipse mostra uma nação sacerdotal (5,10; 20,6) vivendo sempre na presença
de Deus. Daí em diante não haveria já um arquétipo celeste e uma imitação
terrena. O Apocalipse agora revelava um único culto compartilhado por homens e anjos!
Olhe de
novo e descubra que o fio de ouro da liturgia é o que sustenta as pérolas
apocalípticas da visão de São João:
Culto
dominical Ap 1,10
Sumo
Sacerdote Ap 1,13
Altar Ap 8,3-4; 11,1; 14,18
Sacerdotes
(presbyteroi) Ap 4,4; 11,15; 14,3; 19,4
Ornamentos Ap 1,13; 4,4; 6,11; 7,9; 15,6; 19,13-14
Célibes
consagrados Ap 14,4
Candelabros,
ou menorah Ap 1,12; 2,5
Penitência Ap 2 e 3
Incenso Ap 5,8; 8,3-5
Livro ou
pergaminho Ap 5,1
Hóstia
Eucarística Ap 2,17
Cálices Ap 15,7; cap. 16; 21,9
O sinal da
cruz (o tau) Ap 7,3; 14,1; 22,4
O Glória Ap 15,3-4
O Aleluia Ap 19, 1.3.4.6
Elevemos o
coração Ap 11,12
“Santo,
Santo, Santo” Ap 4,8
O Amém Ap 19,4; 22,21
O
“Cordeiro de Deus” Ap 5,6 e ao longo de todo o livro
O lugar
proeminente da Virgem Maria Ap 12,1-6; 13-17
Intercessão
de anjos e santos Ap 5,8; 6,9-10;
8,3-4
Devoção a
São Miguel Ap 12,7
Canto de
antífonas Ap 4,8-11; 5,9-14; 7,10-12;
18,1-8
Leitura da
Sagrada Escritura Ap 2-3; 5; 8,2-11
Sacerdócio
dos fiéis Ap 1,6; 20,6
Catolicidade
ou universalidade Ap 7,9
Silêncio
meditativo Ap 8,1
O banquete
nupcial do Cordeiro Ap 19,9; 17
Em
conjunto, estes elementos constituem muito do Apocalipse... e a maior parte da
Missa. Outros elementos litúrgicos do Apocalipse podem passar facilmente
inadvertidos aos leitores de hoje. Por exemplo, pouca gente sabe que as
trombetas e as arpas eram os instrumentos oficiais da música litúrgica nos
tempos de João, como o são hoje os órgãos no Ocidente. E ao longo da visão de
João, os anjos e Jesus bendizem usando fórmulas litúrgicas estabelecidas:
“bendito o que...”. Se você voltar a ler o Apocalipse de cima a baixo, se dará
conta também de que todas as grandes intervenções históricas de Deus — pragas,
guerras, etc.— seguem ao pé da letra ações litúrgicas: hinos, doxologias, libações,
incensários.
O livro de
Scott merece realmente ser lido na íntegra, mas o que fica claro e evidente
aqui é que: O Apocalipse é a Liturgia Eucarística desde a perspectiva
celestial, e Deus quis nos dar esta perspectiva quando inspirou o hagiógrafo. O
cordeiro, que está imolado, mas está de pé e vive pelos séculos dos séculos é o
Cristo Jesus, presença real em nossos altares. Aleluia!
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