Extratos do Livro "A Renovação Carismática Católica e a Liturgia da Santa Missa" a ser publicado em breve
A Natureza do Movimento Carismático
Católico
“Renovação Carismática Católica, graça de Pentecostes!”
Cardeal Suenens, encontro de líderes em Roma, 1989.
“A Renovação Carismática não é somente uma moda. Seus frutos são, de imediato, perceptíveis: Trata-se de uma forte ação espiritual que muda vidas. Não é somente um “avivamento”, mas uma verdadeira renovação, um rejuvenescimento, um frescor, uma atualização de novas possibilidades que surgem da Igreja, sempre antiga e sempre nova” (Congar, Espíritu Santo, 2, 158).
A Renovação Carismática é Católica
Existem
algumas características básicas que diferenciam o Pentecostalismo Católico
daquele que se deu, historicamente, entre os nossos irmãos separados.
Destacarei aqui a preocupação que os líderes da Renovação sempre tiveram por
buscar raízes na tradição da Igreja para fundamentar e legitimar a experiência
do Espírito tal qual ela se dá na Renovação Carismática Católica.
Em seu
livro Renovación en el Espíritu Santo a teóloga espanhola Denise
S. Brakebrough dedica todo o primeiro apartado a falar dos antecedentes
históricos da Renovação Carismática Católica¹. Três professores da Universidade de Duquesne e do Espírito Santo em
Pittsburgh, Pensilvânia, foram as primeiras sementes daquele que foi o marco
inicial (e não a fundação) da Renovação Carismática Católica tal como a
conhecemos hoje. São eles: William G. Storey, Ralph Keifer e Patrick L. Bourgeois.
Finalizando
o Concílio Vaticano II e impactados por seus ensinamentos, três professores leigos
de Filosofia e Teologia, membros da Universidade de Duquesne e do Espírito
Santo, William G. Storey, Ralph Keifer e Patrick L. Bourgeois, que desde o outono de 1966 se reuniam com frequência em grupos de
oração, pensaram em “fazer algo”. Há necessidade de mencionar-se que, durante a
década dos anos sessenta, havia se produzido nos Estados Unidos uma onda de
entusiasmo pelas vigílias bíblicas e os encontros de oração. Este era o
ambiente que reinava [...] Fomentava-se a atividade litúrgica, o testemunho cristão e a ação social.
... Ditos
professores começaram a pedir, em oração, que o Espírito Santo lhes concedesse
essa renovação e que o vazio que sentiam [causado pelas práxis pelagiana e
voluntarista impregnadas em muitos aspectos da espiritualidade católica] fosse
preenchido pelo Senhor ressuscitado. Para isso, começaram a rezar o “Vem, Espírito Santo” da sequência que se recita na liturgia do
domingo de Pentecostes. Ao mesmo tempo, esmeraram-se no estudo do Novo
Testamento, especialmente as partes que detalhavam a vida da Igreja primitiva
dos primeiros séculos.
William G. Storey era professor de Teologia e sua especialização era
justamente a Liturgia. Segundo Storey, seu entusiasmo pela
experiência que hoje se denomina Renovação era alimentado por
seus estudos no que tange às origens e desenvolvimento das liturgias orientais
e ocidentais e sua triste constatação de que havia um declínio acontecendo
com a nossa forma de transmitir ao homem hodierno os mistérios celebrados, bem
como uma desesperada necessidade de revitalização. As reformas propostas pelo Concílio Vaticano II foram motivo de enorme
entusiasmo. William via que as diversas tradições cristãs deveriam
oferecer seus tesouros espirituais mutuamente (também o Frei Raniero
Cantalamessa comenta o tema falando da capacidade de Deus de tirar algo
grandioso daquilo que foi um mal – a nossa divisão – uma vez que cada tradição desenvolveu
algum aspecto da vida cristã com maior ênfase; a nossa unidade trará grande
benefício a Igreja).
O fato de
a Renovação Carismática Católica ter nascido com influências notadamente
“pentecostais evangélicas” não impediu que a mesma buscasse, desde seus
inícios, os braços amorosos da Igreja, Mãe e Mestra, clamando por um profundo
enraizamento na tradição. E de fato estes braços a acolheram desde o seu
nascimento. De Paulo VI a Francisco, a Renovação
vem sendo confirmada no seu caminhar eclesial (O ICCRS produziu uma coletânea intitulada Então Pedro Levantou-se, que traz os pronunciamentos dos últimos
Papas até Bento XVI – em seguida surgirão novas edições, incluindo os
pronunciamentos de Francisco). Além dos próprios Papas, a Renovação sempre foi cercada por sacerdotes, bispos e cardeais –
faço uma menção especial e honrosa ao Cardeal Leo Joseph Suenens – que tiveram
todo um cuidado pastoral para acolher a
novidade gerada pelo Espírito, fazendo-a coadunar com a tradição bimilenar
da Igreja.
O livro da
Dra. Denise Brakebrough traz uma coletânea dos pronunciamentos das mais
diversas conferências episcopais ao redor do mundo sobre a Renovação
Carismática Católica. Em todos, percebemos o espírito de acolhida e orientações
pastorais necessárias para que aquilo que vem de Deus seja salvaguardado.
Neste
esforço pastoral, dê-se especial menção ao Documento organizado pelo Cardeal Suenens
conhecido como Documentos de Malines,
publicado em diversos países sob o título de Orientações Teológicas e Pastorais para a Renovação Carismática
Católica. Participaram da elaboração destas orientações os teólogos Carlos
Aldunate, SJ, Salvador Carrillo, M.SP.S, Ralph Martin, Albert de Monleon, OP,
Killian McDonnell, OSB, Heribert Mühlen, Veronica O’Brien e Kevin Ranaghan.
Como teólogos consultantes, participaram da obra Yves Congar, OP, Avery Dulles,
SJ, Michael Hurley, SJ, Walter Kasper, René Laurentin e Joseph Ratzinger.
Esta Renovação é e sempre quis ser plenamente
Católica. Surgiu no ambiente do
Concílio Vaticano II, respirando os seus anseios, e foi acolhida como uma oportunidade para a Igreja (Palavras
do Papa Paulo VI em 1975). Ela não é Católica apesar de suas origens e chamado ecumênicos, mas justamente por causa deles.
A Renovação Carismática Católica, a Economia Sacramental e a Liturgia
Os
primeiros líderes da Renovação
entendiam que a experiência do Batismo no
Espírito Santo – que originou as reuniões de oração carismáticas – gerava
uma verdadeira corrente de graças
para a vida de toda a Igreja.
Naquele então, buscava-se contrapor a noção de corrente de graça à noção de Movimento,
com o temor de que a segunda particularizasse ou limitasse o Batismo no Espírito Santo a apenas um grupo
de pessoas. Era neste contexto que frases como “A Renovação não é um Movimento da Igreja, mas a Igreja em Movimento”
ganhavam voz e vez. Livros como Pentecostes
Hoje? do Cardeal Suenens e Movimento
Pentecostal Católico, de Edward O’Connor, evidenciavam isto tão claramente
que ninguém, com honestidade intelectual, o poderia negar.
Nesta
visão de olhar para o Batismo no Espírito Santo como uma graça para a vida de
toda a Igreja, os Padres Killian McDonnell e George Montaigne escreveram uma
pequena obra publicada no Brasil com o título de Avivar a Chama². Este livreto foi apresentado pela Comissão de
Serviço da RCC dos EUA à Conferência de Bispos Americanos.
Assim
escreveu o Bispo da Diocese de Alexandria, em Louisiania, Dom Sam J. Jacobs –
quem pessoalmente experimentara aquilo que chamamos de Batismo no Espírito Santo – na carta de apresentação do livro Avivar a Chama (ênfases colocadas por
mim):
Este documento e muitos outros
estudos deixam claro que a graça de Pentecostes, conhecida como Batismo no
Espírito Santo, não pertence a nenhum
movimento particular, mas a toda a Igreja. De fato, não é nada realmente
novo, fazendo parte dos desígnios de Deus para Seu povo, desde aquele primeiro
Pentecostes em Jerusalém e através de toda a história da Igreja.
Na verdade, na vida e na prática da
Igreja, de acordo com os escritos dos Padres da Igreja, esta graça de
Pentecostes é considerada normativa
para um modo de viver cristão e essencial
para a plenitude da iniciação cristã.
Ao divulgar este documento, a
Comissão de Serviços Nacionais da Renovação Carismática dos EUA almeja dar
início a novas reflexões teológicas sobre a questão da graça de Pentecostes, a
fim de que as pessoas tenham mais consciência do plano de Deus para todo o Seu povo, e incentivar o
aperfeiçoamento de modelos pastorais sensatos visando à implementação da premissa fundamental deste documento,
isto é, que ser plenamente batizado no
Espírito Santo faz parte da vida litúrgica comum da Igreja³.
Vamos
repetir esta frase mais uma vez:
... a premissa fundamental deste documento, isto é, que ser plenamente
batizado no Espírito Santo faz parte da vida litúrgica comum da Igreja.
Logo no
início do livro, os autores escrevem:
“Recebestes o Espírito Santo quando
abraçastes a fé?” (At 19,2). A essa pergunta de São Paulo, nós, como católicos,
respondemos um sincero “sim”, pois nos sacramentos de iniciação recebemos
verdadeiramente o Espírito Santo. Contudo, somos convidados a avivar a chama, a
reanimar “o dom de Deus” (2Tm 1,6) por meio de uma conversão cada vez mais
sincera a Jesus Cristo.
Estamos escrevendo aos bispos e
líderes pastorais da Igreja Católica para compartilhar nossa convicção de que o
“Batismo no Espírito Santo”, assim
chamado pelos escritores cristãos primitivos, é a chave para levarmos uma vida
cristã plena. Neste documento, o “Batismo no Espírito Santo” se refere à
iniciação cristã e a seu novo despertar na prática cristã. A Igreja primitiva
utiliza o Batismo no Espírito Santo para a iniciação cristã. O emprego desta frase hoje em relação ao
despertar mais tardio da graça sacramental original não significa, de modo
algum, um segundo Batismo. Não
estamos sugerindo que o “Batismo no Espírito Santo” acontece apenas na
Renovação Carismática, pois a experiência pastoral e a reflexão teológica nos
levam a crer que a graça do “Batismo no Espírito Santo” destina-se a toda a
Igreja.
*O emprego generalizado de “Batismo
no Espírito Santo” por pentecostais e “evangélicos ortodoxos” leva alguns
católicos a desconfiarem que a frase está ligada ao fundamentalismo. Porém,
como ela se encontra nas Escrituras e em autores destacados dos primeiros
séculos e é usada em quase todas as igrejas, católicas e protestantes
igualmente, onde existe Renovação Carismática, o presente documento opta por
mantê-la.
O Batismo no Espírito Santo não se prende a nenhum movimento, quer
liberal, quer conservador. Também não se identifica com um único movimento nem
com um único estilo de oração, culto ou comunidade. Ao contrário, acreditamos
que este dom faz parte da herança cristã de todos os que receberam os sacramentos
da Igreja4.
Estas
afirmações deixam cada vez mais claro que:
·
A experiência do Batismo no Espírito Santo existe para avivar a chama do
Espírito no coração de todos os
católicos que se abrirem para tal.
·
O Batismo no Espírito Santo, na sua
dimensão comunitária, existe para avivar o modus
orandi do Cristo, o que se orienta profundamente para a participação
litúrgica e sacramental do povo de Deus, quando falamos de Igreja Católica.
Os grandes
líderes carismáticos das primeiras três décadas não mediram esforços para
entender esta Renovação como dom para toda a Igreja, refletindo sobre
ela desde o prisma dos sacramentos e da liturgia, que são as verdadeiras
colunas de sustentação da espiritualidade católica. Recordo-me da série de
livros do Pe. Robert DeGrandis, SJ – para citar um exemplo – e de seu afã em “ligar”
a experiência carismática com a recepção dos sacramentos (especialmente a
Eucaristia e a Penitência).
Avivar a Chama afirmará ainda – baseado no
testemunho patrístico – que o Batismo no
Espírito Santo e os Carismas eram, na Igreja Primitiva, uma experiência
ligada à iniciação cristã e a liturgia oficial da vida pública da Igreja:
O Batismo no Espírito Santo era
sinônimo de iniciação cristã em Justino Mártir (Diálogo com Trifão 29, 1;
Patrologia Graeca [PG] 6, 537), Orígenes (Sobre Jeremias 2, 3; Sources
Chrétiennes [SC] 232, 244) Dídimo, o Cego (Sobre a Trindade 2, 12; PG 39, 669,
673), e Cirilo de Jerusalém (Palestras Catequéticas 16,6; Cyrilii
hierosolymarum archiepiscopi opera quae supersunt omnia [CAO], 2, 213).
Tertuliano, Hilário de Poitiers, Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo, João de
Apaméia, Filoxeno de Mabugo, Severo de Antioquia e José Hazaia claramente
consideravam o recebimento de carismas integrante da iniciação cristã. Hilário,
Cirilo e João Crisóstomo receberam o título de doutores da Igreja, sendo
reconhecidos como testemunhas competentes para identificar a fé da Igreja. Seu
testemunho demonstra que o Batismo no Espírito Santo não é uma questão de
devoção particular, mas da liturgia
oficial e da vida pública da Igreja. Historicamente,
o Batismo no Espírito Santo integra os sacramentos de iniciação, essenciais à
Igreja, a saber: Batismo, Confirmação e Eucaristia. Neste sentido, o Batismo no
Espírito Santo é normativo5.
Depois de “rechearem” as argumentações com citações
patrísticas, Killian McDonnell e George Montaigne afirmam:
À luz das reflexões anteriores e de
nossa experiência do batismo no Espírito e dos carismas desde o Vaticano II,
cremos que a retomada do batismo no Espírito Santo pela Igreja promete
revitalizar a evangelização, as prédicas, o culto sacramental, o Rito de Iniciação Cristã de adultos, a
pastoral da juventude, a preparação para o crisma e modos de vida comunitária no contexto da paróquia local. Fazemos
estas sugestões específicas, percebendo que elas não esgotam as preocupações
pastorais da Igreja6.
De fato, a
Comissão de Serviços da Renovação Carismática Católica dos Estados Unidos quer
deixar claro aos seus Bispos que a Renovação
deseja penetrar na vida das paróquias como uma corrente de graça. Fala-se, portanto, da Paróquia Renovada, que não significa em absoluto uma Paróquia da Renovação Carismática Católica.
Assim afirmam:
Em nossa visão, a paróquia renovada é uma comunidade prestando culto em vibrante
liturgia, unida pelo Espírito Santo, servindo uns aos outros, empenhados na
conversão e no crescimento contínuos, comunicando-se com os inativos, os
irreligiosos e os pobres. Tais paróquias põem-nos em contato com o evangelho e
evangelizam nossa cultura. Nessas comunidades, como nos Atos dos Apóstolos e na
Igreja primitiva, os carismas do Espírito Santo são identificados e acolhidos
com alegria7.
Esta é a
mentalidade dos líderes da Renovação Carismática Católica em âmbito
internacional nos seus primeiros vinte e poucos anos. Esta é a Renovação
Carismática Católica da “primeira hora”: Um povo de louvor e de adoração, com
uma espiritualidade profunda. Um Movimento
que enfatiza a necessidade da conversão, da santificação pessoal e da vida em
Comunidade. Estas características não são a minha opinião pessoal apenas, mas
foram constatações feitas pelos Papas e pelos Bispos. Cito textualmente o
pronunciamento do Papa Paulo VI no dia 10 de outubro de 19738:
Alegramo-nos
convosco, queridos amigos, pela renovação de vida espiritual que hoje em dia se
manifesta na Igreja, sob diferentes formas e em diferentes ambientes. Nesta
renovação aparecem certas notas comuns: O gosto por uma oração profunda,
pessoal e comunitária; Uma volta à contemplação e uma ênfase colocada na
palavra de Deus; O desejo de entregar-se totalmente a Cristo; Uma grande
disponibilidade às inspirações do Espírito Santo; Uma leitura assídua da
Escritura; Uma ampla abnegação fraterna; Uma vontade de prestar uma colaboração
aos serviços da Igreja.
O Batismo no Espírito Santo é uma
experiência que imprime um novo sentido, um desabrochar do Espírito na alma do
fiel. Mas esta é apenas a dimensão subjetiva da experiência, o “eu creio”. Na
dimensão objetiva, no “nós cremos”, o Batismo
no Espírito Santo toca o nosso Modus
Orandi na comunidade cristã, portanto, direciona-se totalmente para a
Liturgia da Igreja, para a vivência dos sacramentos e para a administração dos
mesmos.
A Discussão sobre “Corrente de Graça” e “Movimento” em face da
preocupação pela Liturgia e pela Economia Sacramental
O livro de
Reinaldo Beserra dos Reis intitulado Renovação Carismática Católica Um Constante
Desafio9 é
magistral a este respeito (na minha opinião, é de leitura obrigatória para os
“carismáticos”).
A Igreja
Católica é constituída das dimensões institucional e carismática. Isto não
significa que algumas coisas na Igreja sejam “institucionais” e outras “carismáticas”;
pelo contrário: qualquer realidade eclesial é essencialmente institucional e
carismática.
Desde o
princípio, o mesmo Cardeal que defendera o Movimento Carismático como corrente de graça também se preocupava
com dar forma aos Serviços Internacionais
da RCC, a fim de dar suporte formativo e pastoral aos diversos grupos de
oração existentes no Mundo. Organismos continentais, nacionais, estaduais,
diocesanos, etc. foram surgindo em decorrência da necessária unidade pastoral e
doutrinária. Sendo assim, a RCC foi tomando os moldes de um Movimento Eclesial.
Ela é,
portanto, um Movimento Eclesial. Está ligada ao Conselho Pontifício para os
Leigos. Isto dá à Renovação Carismática a possibilidade de ter unidade no
pensamento e no agir. Por esta organização, ela foi abençoada de inúmeras
formas e acompanhada com solicitude pelos Bispos da Igreja.
Eu
acredito, contudo, que os líderes da Renovação unidos num Movimento Eclesial
precisam entender que, em primeiríssimo lugar, há algumas peculiaridades que diferenciam a RCC da noção básica de Movimento Eclesial. Pontuo duas:
1.
Um Fundador: A Pessoa do Fundador não
é periférica, mas de suma importância na vida de um Movimento Eclesial. Ele é o
transmissor do carisma. A Renovação Carismática, por outro lado, não tem um
fundador, nem uma data de fundação.
2.
Princípios, Normas e Regras do
Movimento: Os Movimentos Eclesiais possuem normas, princípios e regras que
regem desde a incorporação ao Movimento (apresentando pré-requisitos para que
alguém possa ser aceito no Movimento) à vida diária de seus membros, com um
caminho espiritual a ser percorrido, normas de vida a serem observadas, orações
específicas a serem feitas, etc. A RCC, por outro lado, não faz seleção de
pessoas, não restringe, não impõe normas de incorporação. A RCC não possui
princípios e normas próprias. Todo
aquele que é Batizado no Espírito Santo, manifesta carismas e está unido ao
Bispo Diocesano (vive na comunidade) ... É legitimamente carismático.
Um breve
comentário em relação com o segundo ponto citado acima: Tentando incutir no coração
das pessoas o benefício da participação nos grupos de oração como lugar
privilegiado para a vivência da oração carismática comunitária, houve, aqui no
Brasil, todo um trabalho levado a cabo pelo Conselho Nacional que tinha por “rhema” a frase “Grupo de Oração, Eu participo”. Infelizmente, os direcionamentos
desta campanha foram mal interpretados por muitos que, até hoje, afirmam
categoricamente que aqueles que não participam de um Grupo de Oração ligado ao Movimento da RCC não são carismáticos. Portanto, Novas
Comunidades não são Renovação Carismática, por exemplo. Isto vai contra os
estatutos do ICCRS aprovados pela
Santa Sé e é, portanto, improcedente.
Estas
características, contudo, são essenciais para identificar uma realidade
eclesial como Movimento? O Espírito Santo tem dito a Igreja que “não”. Embora
sem um fundador e um livro de regras, a Renovação se constitui um grupo de
homens e mulheres – ministros ordenados e leigos – portadores de uma graça que é, para a Igreja, rosto e memorial de sua dimensão
carismática. O carisma específico deste Movimento
é a vivência pentecostal com suas
manifestações e consequências atestadas no relato bíblico. De fato, nenhum
“carisma específico e fundante” de um Movimento é algo totalmente novo; apresenta-se sempre como um despertar ou avivar de uma dimensão da vida cristã que o
Espírito Santo deseja ressaltar e trazer à tona num momento específico da
Igreja. O movimento franciscano, por exemplo, tem por carisma específico a pobreza evangélica; ora, só os franciscanos
devem ser pobres? De modo algum! O
movimento franciscano – na sua vivência radical, amorosa e até “louca”
(característica própria dos apaixonados) – é rosto e memorial perene deste conselho evangélico. Toda a Igreja
deve ser pobre! Outro exemplo: O Movimento dos Focolares tem por carisma
fundacional a unidade e – na sua vivência
radical, amorosa – é rosto e memorial deste mandato do Senhor: “Que todos sejam
um para que o mundo creia” (cf. Jo
17,21). É neste sentido que o Movimento Carismático é legitimamente um
“Movimento” enquanto rosto e memorial da
vivência pentecostal do cristão – que se orienta a avivar a dimensão carismática
da Igreja – na sua vivência radical, amorosa e “louca”.
Este é um
dos desafios teológicos que o Movimento Carismático apresenta à Igreja: A
Renovação assumiu a forma de um Movimento Eclesial e assim foi acolhida pela
Igreja sem ter um fundador e manuais com princípios e normas, pois, apesar disto,
traz em si um carisma específico de
renovação pentecostal para toda a Igreja.
Somos um
Movimento. Que isto seja sim um
motivo de alegria. Contudo, o fato de não levarmos em conta as especificidades
deste movimento e a ênfase que se deu
à institucionalização da RCC enquanto Movimento
Eclesial gerou também um ônus que
desejo fazer objeto da nossa reflexão.
A
Renovação Carismática é um Movimento? Bem, o “Caminho Neocatecumenal” também o
é, os “Focolares” igualmente; o “Cursilho”, a “Comunhão e Libertação”, o “Opus
Dei”, o “Regnum Christi”, etc., são todos Movimentos
Eclesiais. Como Movimentos,
possuem suas sedes com toda uma vida própria, repleta de atividades e
independente, sob muitos aspectos, da Comunidade Paroquial. Em linhas gerais, o
impacto que estes Movimentos causam
na vida das paróquias é gerado pela participação de seus membros no dia a
dia da paróquia (não se trata, portanto, de uma ação específica do Movimento para a paróquia, mas da participação dos membros do Movimento – com
uma boa formação e uma vida espiritual geralmente profunda – no dia a dia da
paróquia ... Algo que se dá meio que “por osmose”).
Na busca
da necessária institucionalização, a Renovação Carismática Católica criou toda
uma dinâmica formativa e uma atividade missionária que são próprias de um
Movimento e, muitas delas, inegavelmente são independentes da paróquia. Em
muitíssimas realidades, o Grupo de Oração é um horário semanal no qual os
“carismáticos” usam as dependências da
paróquia para as atividades próprias do Movimento sem qualquer relação com o
programa pastoral da Diocese e da própria paróquia. Quando muito,
participam das reuniões de CPP, “tocam” em alguma das missas e organizam alguns
eventos. Ao assumirem funções como catequistas, ministros da Eucaristia e
membros das diversas pastorais, eles o fazem desde que não façam qualquer coisa que remeta à experiência carismática, de
modo que, se por um lado ganhamos católicos com uma maior “sensibilidade
espiritual” para os diversos serviços da paróquia (o que é uma benção), por
outro lado a experiência carismática fica relegada a uma atuação paralela da
vida mesma da paróquia.
É
necessário repensar o conceito de Paróquia e de jurisdição eclesiástica? Com
certeza (e esta discussão está muito em voga nas reuniões dos Bispos aqui no
Brasil). A Paróquia precisa se abrir para que os Movimentos Eclesiais consigam
se inserir devidamente, desembocando no conceito de Paróquia como Comunidade de Comunidades. Aliás, acho
incrível como os Movimentos Eclesiais são considerados como “carentes de
eclesialidade” por muitos padres e líderes de pastorais, que só passam a
considerar alguém como “inserido na vida da paróquia” se a pessoa fizer, ao
mesmo tempo, parte de algum serviço ou pastoral. Participar de um Grupo de
Oração e trabalhar ativamente nele é “insuficiente” para estes padres e
líderes.
Por outro lado, quando o assunto é Renovação
Carismática Católica... Não consigo deixar de lamentar o fato de nós termos
abandonado o desejo de “revitalizar a
evangelização, as prédicas, o culto
sacramental, o Rito de Iniciação Cristã de adultos, a pastoral da
juventude, a preparação para o crisma e os modos de vida comunitária no contexto da paróquia local”
e o sonho de uma paróquia como uma comunidade prestando culto em vibrante
liturgia. Este foi o ônus da ênfase da Renovação Carismática Católica
como um Movimento Eclesial, pois
infelizmente o Batismo no Espírito Santo
e as Manifestações Carismáticas
passaram a ser “coisa de carismáticos”
e abandonamos, como Movimento, os assuntos do dia a dia de uma Paróquia
Católica como não sendo “a nossa
identidade”, “a nossa missão”, a
final, “a economia sacramental e a
liturgia são comuns a toda a Igreja”, “não é da responsabilidade de um
movimento em específico”.
A
Renovação precisa deixar de ser um Movimento? De modo algum! Aliás, isto é
impossível e, se fosse possível, seria um grave erro. Se colocarmos na balança,
o bônus de sermos um Movimento é muito maior que o ônus sob vários aspectos (e
é por isto que o Espírito Santo nos guiou por este caminho). Sou contra este
pensamento romântico de que não podemos ser um Movimento porque somos uma
espiritualidade, uma “corrente de graças” como algo “solto no ar”, sem
coordenações, estruturas e organismos. Isto não existe na Igreja de Cristo, que
sempre foi e sempre será Instituição e
Carisma! Por outro lado, eu acredito que a visão dos líderes carismáticos
precisa ser reformulada quanto a consciência que temos de nós mesmos, uma vez
que, embora sejamos um Movimento Eclesial, somos muito diferentes dos demais
movimentos (o que não nos torna melhores ou piores).
Estamos
falando, portanto, de um Movimento a sui
generis, com um caráter universal muito próprio, orientado a avivar toda e
qualquer espiritualidade, serviço, movimento, instituição, congregação,
associação ou “ajuntamento de pessoas” que o desejar. Ao mesmo tempo, este
próprio “sopro espiritual” se constitui num organismo vivo e pulsante, cuja
única missão é manter o avivamento carismático em constante ação, dia após dia,
para toda e qualquer pessoa e realidade eclesial que dele quiser beber.
Então,
como gerar uma organização sem reduzir a natureza da Renovação a algo que ela
não é? Isto, sem dúvida alguma, constitui-se num dos maiores desafios para a
existência da Renovação (e uma das coisas mais apaixonantes nela também!).
Algumas
ideias me veem a mente sobre esta questão:
·
Para que o Batismo no Espírito Santo,
as Manifestações Carismáticas e a vida comunitária no Espírito permaneçam
vibrantes e atuantes na vida da Igreja, renovando toda e qualquer pessoa ou
realidade eclesial que esteja aberta para tal, o Espírito Santo suscita homens
e mulheres que, unidos, são como que um coração bombeando o avivamento para todo
o corpo. Os líderes carismáticos unidos são um coração que bombeia a
experiência carismática; eles são rosto e
memorial (no sentido bíblico de
“tornar atual”, “reapresentar”) de Pentecostes,
que é perene na vida da Igreja.
·
Estes líderes levantados por Deus
estão unidos internacionalmente, bem como nos níveis nacionais, estaduais,
diocesanos e paroquiais, e constituem, assim, o Movimento da Renovação Carismática Católico.
·
Os Grupos de Oração são lugares calorosos de
oração ao serviço de todos os católicos
(e não a reunião dos membros do movimento)
independente do serviço que estes prestam à Igreja ou da espiritualidade com a
qual se identificam.
·
O verdadeiro responsável pela
Renovação Carismática é o coordenador
diocesano, pois é ele quem tem o respaldo e atua sob o cajado do Bispo da
Igreja Particular, que é o verdadeiro Pastor, em nome de Jesus Cristo, ao qual
todos devemos estar ligados (e, por meio dele, ligados à Igreja Universal sob o
cajado do Papa).
·
Todos os níveis acima da coordenação
diocesana da RCC (estaduais, nacionais e internacionais) são instâncias de
serviço, apoio, promoção, formação, orientação, discernimento, etc., menos de governo. Este é, por exemplo, o papel
dado pela Santa Sé ao ICCRS, em seus
estatutos! É uma instância de comunhão e não de governo. Um coordenador estadual
ou nacional (para citar um exemplo) jamais poderia interferir numa instância
diocesana sem o consentimento do Bispo Local, pois não gozam de autoridade de
governo para tal.
·
O Coordenador Diocesano é aquele que,
sob a autoridade do Bispo Diocesano, auxilia os Párocos nas Comunidades a fim
de que a graça do Batismo no Espírito
Santo permeie todas as realidades e serviços da Paróquia, zelando para que
o Grupo de Oração seja coordenado e cuidado por pessoas bem
formadas e identificadas com a Renovação: líderes levantados por Deus para
serem um coração da experiência carismática na comunidade, como rosto e memorial de pentecostes.
·
O primeiro serviço da Renovação é ...
A Renovação da Igreja, constituída em
Igrejas particulares e Comunidades Paroquiais (e é dentro dessas realidades que
todas as demais realidades eclesiais co-existem). A Renovação pode e deve
pensar na missão ad extra e ad gentes; o que não pode acontecer é prescindir
da primeira vocação de ser corrente de graça nas comunidades paroquiais.
A Igreja é
Apostólica e a autoridade do Bispo deve ser salvaguardada. O coordenador
diocesano é o verdadeiro responsável pela Renovação, e todas as demais
instâncias só têm razão de ser se priorizarem a assistência total e ilimitada a
ele, porque ele é o único submetido diretamente a um Bispo no exercício de sua coordenação no Movimento. Quem libera ou
proíbe algo ou alguém? O Bispo Diocesano
e o Pároco. Quem é responsável por tudo o que acontece na vida da Igreja
Particular? O Bispo Diocesano e, nas diversas comunidades, os respectivos
párocos. A quem cabe o discernimento dos espíritos, em última instância? Ao
Bispo Diocesano e ao Pároco. Tudo o que acontece na vida da Renovação dentro da
Igreja particular recai sobre o “colo” de quem? Do Bispo Diocesano e dos
Párocos! Mas, a quem eles procuram nestes casos? Ao Coordenador Diocesano!
Portanto, a
Renovação Carismática Católica precisa entender-se como corrente de graça para que, por sua vez, o Movimento preste o primeiro serviço que a Igreja espera dele: Paróquias Renovadas, celebrando em vibrante liturgia.
Por que este tema é importante quando aquilo que realmente queremos
abordar é a questão da Liturgia?
Bem... É o
princípio metafísico de que o ser
antecede o agir e que a natureza é o
princípio da operação. Quando nos enxergamos como mais um Movimento da Igreja, relegamos a liturgia (bem como a
economia sacramental, a catequese, etc.) ao cuidado dos padres e Bispos, pois nosso foco é fazer as coisas próprias do “nosso carisma”, do “nosso jeito de ser
Igreja”. Quando nos enxergamos como corrente
de graça para a vida da Igreja, a liturgia (bem como a economia sacramental,
a catequese, etc.) e a vida da paróquia passam a ser de fundamental importância
para as ações do Movimento. Enquanto corrente de graça, o Movimento existe
especialmente para as comunidades locais. Enquanto mais um Movimento, a Renovação traça linhas de ação e
planejamentos para promover apenas “um
jeito de ser Igreja”, dentre tantos outros que já existem.
Nós somos
propensos às polarizações. Ou é “isto” ou é “aquilo”. A Igreja, com sua
sabedoria, diante destas polarizações, sempre nos oferece o “et” ao invés do “aut”.
Instituição ou Carisma? Não. Instituição e Carisma! Espiritualidade ou Vida
Social? Não. Espiritualidade e vida social! Movimento ou Corrente de Graça?
Não. Movimento e Corrente de Graça!
Estou
propondo uma mudança “revolucionária” na Renovação? Eu não acredito em golpes
“revolucionários”. Não acho que se possa mudar uma cultura à força de um golpe
revolucionário; as coisas precisam acontecer de modo paulatino, desde as bases.
Mas, sem dúvida nenhuma... Estou sim propondo uma mudança.
Se a
Renovação é apenas um Movimento Eclesial como todos os outros... A liturgia não
deve ocupar lugar na sua ação pastoral. Se a Renovação é apenas uma corrente de
graça... Nenhum tipo de ação pastoral se deve esperar dela e as coisas precisam
se dar “por si sós”, como uma “contaminação radioativa” (o que é bem fora da
realidade) Mas se a Renovação Carismática Católica é Movimento & Corrente
de Graça... A liturgia, que é o Modus Orandi da Igreja, passa a ser de suma
importância na ação da RCC.
Esta é a vossa definição:
Corrente de Graça! (Papa Francisco)10.
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