Extratos do Livro "A Renovação Carismática Católica e a Liturgia da Santa Missa"
Índice:
Introdução
·
Um tema
nada fácil de ser tratado
·
Isto não é
da nossa responsabilidade
·
Minha
experiência pessoal
·
Ser um
Legionário de Cristo
·
Meu
retorno ao Movimento Carismático
·
“Legionário
Carismático?”
·
A proposta
do Livro
A Natureza do Movimento Carismático
·
A Renovação Carismática é Católica
· A Renovação Carismática Católica, a
Economia Sacramental e a Liturgia
·
A Discussão sobre “Corrente de Graça”
e “Movimento” em face da preocupação pela Liturgia e pela Economia
Sacramental
·
Por que este tema é importante quando
aquilo que realmente queremos abordar é a questão da Liturgia?
A Renovação Carismática em face do Concílio Vaticano II
·
Os carismas efusos na vida pastoral e
litúrgica da Igreja
·
Necessidade de tornar a Missa mais
“inteligível”: O Missal de Paulo VI é a solução?
·
A Renovação
Carismática Católica e os abusos na Liturgia: Entendendo o porquê
·
Voltar ao Primeiro Amor
A vivência da
Liturgia na Renovação Carismática Católica
·
O Conceito de Aliança
·
O Conceito de Memorial e a sua dimensão sacrifical e festiva
·
O Conceito de Rito – Nosso Shabath
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O Fundamentalismo na Observância Litúrgica
·
O Apocalipse como chave de leitura para o entendimento da Santa Missa
·
Dimensão Festiva e Sacrifical da Santa Missa
A expressão de louvor própria da Renovação Carismática Católica e a
Manifestação dos Carismas dentro da Liturgia da Missa
·
Avivar a chama para uma melhor
vivência litúrgica
·
Levantar as mãos e “aplaudir” na
Santa Missa
·
Instrumentos Musicais e postura da
Vozes
·
Manifestações Carismáticas
·
Missas de Cura e Libertação
Considerações Finais
Fundamentações Bibliográficas
Introdução
Um tema nada fácil de ser tratado...
Embora tenhamos no cajado de Pedro o referencial visível da nossa unidade
em Cristo – tanto espiritual quanto doutrinária – nós sabemos que nossa unidade
não é uniformidade, mas comunhão na diversidade. Há diversidade
de carismas, de apostolados, de missões e até de visões teológicas, mas aquilo
que harmoniza e traz a comunhão entre todos nós é a santa obediência ao Primus
Inter Paris, àquele que recebeu de Cristo o poder e a missão de confirmar
os seus irmãos (cf. Lc 22, 32), o Papa.
O problema é que, infelizmente, a obediência de muitos é seletiva
(portanto, falsa!): Eu obedeço àquilo que, previamente, eu concordo. E
assim, quando o pronunciamento do Papa corrobora com as premissas previamente
defendidas... abundam os posts (em tempos de internet) e as afirmações
do tipo “Roma locuta, causa finita”. Quando, por outro lado, o
pronunciamento do Papa não está dentro das premissas previamente estabelecidas
como “a verdade” ... ou ficam indiferentes ou passam a buscar “embasamentos”
para minar a autoridade do Papa, do tipo “isto é apenas uma opinião
dele, que teve uma escola progressista ou tradicionalista”, etc. Muitos
grupos que “posam” de obedientes não passam de oportunistas; bradam aos
quatro ventos a sua catolicidade, mas pecam num princípio tão basilar
como este: A fé na ação de Deus por meio do Magistério atual, que interpreta as Escrituras, a Tradição (que é
viva) e que nos apresenta a doutrina no
hoje da Igreja.
Diante de tradicionalismos e “aggiornamentos”, a Renovação
Carismática Católica deve fixar os seus olhos no cajado de Pedro
construindo sua casa sobre a rocha. Baseado neste pensamento, eu criei
um blog, em 2007, intitulado Sobre a Rocha de Pedro exatamente
com esta premissa. Ali eu buscava recolher os pronunciamentos dos Papas e das
diversas conferências episcopais sobre a Renovação Carismática. Buscava,
também, expor fundamentações sobre o Batismo no Espírito Santo e outros
temas que, nas palavras de Reinaldo Beserra dos Reis, fazem da Renovação
um desafio teológico e pastoral.
Quando, contudo, nós tocamos no tema da liturgia... As tensões já
existentes parece que se afloram ainda mais! Entre o grupo dos que querem fazer
da liturgia algo estagnado no passado e intocável e os que simplesmente querem
mudar tudo, a Renovação Carismática Católica fica meio que “ao sabor
dos ventos”, uma vez que existe uma “cultura” de que o sacerdote é o xerife
da liturgia e que, portanto, nós não temos nada a ver com isso.
Quando vejo as aberrações cometidas por muitos sacerdotes e leigos, e percebo
que, muitas vezes, estes são – de alguma forma – afins à Renovação
Carismática Católica – o que, portanto, faz com que o Movimento receba
todos os deméritos de suas ações – não posso menos que me entristecer e
desejar, de algum modo, sanar a situação oferecendo, de acordo com minhas
limitações, pensamentos e direcionamentos que sirvam de apoio,
pelo menos para aqueles que erram mais por desorientação que por desobediência.
A este segundo grupo – o dos desobedientes – eu ofereço estas linhas rezando
para que as mesmas lhes ajudem no processo de conversão.
Eu bem sei que a Renovação Carismática Católica é erroneamente
taxada de culpada pelas infrações que se cometem na celebração da
Missa, uma vez que, a priori, realmente a liturgia não é de
responsabilidade dela, mas dos Bispos e Padres. Ao mesmo tempo,
nós sabemos que mesmo os bispos e padres não são xerifes
autoritaristas da liturgia, mas apenas guardiões da mesma, de forma
que nem mesmo eles podem fazer da Missa o que quiserem! Nós, como
católicos, devemos agir em comunhão com o Magistério e dar as devidas
orientações para a boa e fecunda participação dos fiéis afins ao nosso
Movimento na “Divina Liturgia”.
Isto não é da nossa responsabilidade!
Esta é a frase que explicita a postura de muitos dos nossos líderes
atuais: A liturgia não é da nossa responsabilidade! É fato que nós, como
Movimento, não respondemos por cada padre que se auto-intitula “carismático”
e sai fazendo “barbaridades” por aí. Mas nós não podemos, simplesmente, optar
pelo “outro lado da moeda”, ignorando por completo a liturgia das nossas
reflexões e missão.
Se, contudo, levarmos a sério a nossa definição de corrente de graça
– bem como o constante chamado dos Papas e das diversas conferências episcopais
a uma participação ativa na comunidade paroquial – perceberemos que o
Espírito Santo nos impele à renovação do culto cristão e, portanto, da
liturgia.
O Batismo no Espírito Santo atua em duas dimensões: uma mais subjetiva
e outra objetiva. Na dimensão subjetiva –portanto pessoal – o Batismo no
Espírito é uma experiência crítica e de sentido na vida do fiel. Na
dimensão objetiva – no “nós cremos” da comunidade cristã – esta experiência
está orientada a tocar e renovar o culto cristão. Portanto, a liturgia é sim
um assunto pertinente a nós como Movimento Carismático.
Há um grande número de católicos para os quais as formações e
direcionamentos oriundos da Renovação Carismática Católica são relevantes e
significativos em todos os sentidos e dimensões (às vezes, é o único conteúdo
formativo que recebem no que tange a fé!). Se queremos difundir a cultura de
pentecostes, devemos transcender a nós mesmos enquanto movimento – uma vez
que 90% de nossas formações estão orientadas para nós mesmos de modo
quase que exclusivo – e nos dirigirmos, numa segunda instância, também a toda a
Igreja, tocando, portanto, temas como liturgia, sacramentos, catequese,
pastoral, ecumenismo, etc., e, numa terceira instância, a toda a
humanidade, tocando temas como política,
economia, educação,
saúde e todas as áreas que
circundam a vida humana.
Minha experiência pessoal
Era o final do ano de 1996. Convidado pelo meu irmão mais velho,
Ricardo, fui à Associação de Moradores do Olaria – parte baixa do Bairro Santa
Cândida, na cidade de Curitiba – onde se realizava, nas sextas-feiras a noite,
o Grupo de Oração da Renovação Carismática Católica coordenado pelo Sr.
Marcos Romano (in memoriam) e sua esposa, Sra. Djanira. Eu tinha doze
anos. Iniciava-se ali uma experiência que me impulsionaria num desejo incontido
de seguir a Cristo pelo resto da minha vida.
Toda a minha família, em pouco tempo, já estava mergulhada numa
experiência que mudara as nossas vidas. Recordo-me como minha mãe nos
expressara sua experiência, em sua simplicidade: Todos estes anos indo à
missa e só agora eu fiquei sabendo que Jesus está vivo na Eucaristia! De
fato, foi isto que a experiência carismática fez conosco: O Espírito Santo abriu
o nosso entendimento a respeito das verdades da fé Católica e nos fez
deseja-las amorosamente.
Passei a ler a Bíblia diariamente, sublinhando os versículos que mais
me chamavam a atenção. Um fato pitoresco: Recordo-me quando, depois de ler o
texto no qual Jesus diz “a ninguém chameis Mestre... pois um só é o vosso
Mestre” (cf. Mt 23, 10), fui até meu irmão para lhe contar: “Rico (modo como
o chamamos em família) nunca mais vou brincar de ‘lutinha’ e chamar alguém de
mestre” (algo muito comum nos seriados japoneses que marcaram a infância da
minha geração). Assim, de modo muito simples – e até fundamentalista no início
– o Evangelho foi tocando a minha vida de criança e pré-adolescente. Comecei a
rezar o terço e ir à missa quase todos os dias (as vezes tendo que pegar dois
ônibus para ir da minha casa até a Paróquia Santo Antônio, no Bairro Boa Vista,
ou percorrendo, a pé, a distância de 5 km para ir até a Paróquia de São João
Batista, no Bairro Tingui).
Num encontro de Sábado, no Grupo de Oração Jovem Renascer em Cristo,
tive a experiência que me marcaria para sempre. Eu já estava participando dos
Grupos de Oração há alguns meses e a pregação kerygmática já havia gerado um
grande impacto na minha vida de pré-adolescente. Mas foi naquele sábado que, de
um modo muito novo, experimentei que Deus era meu Pai (embora já
o soubesse pela fé). Enquanto um calor tomava todo o meu corpo, as lágrimas
escorriam pela face e a oração em línguas brotava do meu interior numa
experiência de gozo e de alegria que, até hoje, estão na minha memória, percebi
que a minha vida tinha um propósito, uma missão, e que Deus me chamava. Em
1998, iniciei uma busca profunda pela consagração. Decidi que queria ser
sacerdote. Tomei em minha mão a lista telefônica e comecei a ligar para todos
os seminários que eu encontrava. Mas foi na Paróquia São João Batista que eu
conheci dois religiosos da Congregação dos Legionários de Cristo que visitaram
nosso Grupo de Jovens e me cativaram por sua postura e afabilidade.
Ser um Legionário de Cristo
No dia 10 de janeiro de 1999 eu vi a “Kombi bege” do meu avô deixando
os portões do Centro Vocacional Maria Mãe Imaculada, no bairro
Butiatuvinha, na cidade de Curitiba. Iniciava-se a minha jornada de formação na
Congregação dos Legionários de Cristo.
Passei oito anos da minha vida na Legião. Tudo aquilo que eu havia
experimentado na Renovação Carismática (amor por Jesus Cristo, amor à Virgem
Maria, amor pela Igreja – Sacramentos, Bíblia, etc. – e desejo por salvação de
almas) ganhara fundamentos ainda mais sólidos, sobretudo no campo doutrinário.
Quero aproveitar o ensejo deste livro para registrar a minha mais
profunda gratidão a Deus pela graça de ter sido, de janeiro de 1999 a julho
de 2006, um soldado raso nas fileiras da Legião de Cristo. Expresso
minha gratidão a todos os meus amigos e ex-formadores. Apesar de todo o
sofrimento – no que tange ao Pe. Maciel e seu “legado pessoal de máculas” sobre
a Legião – nunca deixei de acreditar na ação do Divino Espírito Santo sobre
esta família religiosa (porque eu mesmo, em primeiro lugar, fui objeto desta
ação sob muitos aspectos). É nítido e perceptível que tão pouco a Igreja deixou
de acreditar nisto, desejando a purificação da Legião e a redefinição
do seu carisma ao invés da simples supressão da congregação.
Dentre tantos aspectos da formação legionária que eu poderia pontuar,
desejo ressaltar aqueles que remetem diretamente ao tema deste livro (Liturgia
da Missa). Fui Legionário de Cristo e este é o meu berço de formação. Apesar de
serem considerados por muitos como tradicionalistas, os Legionários de
Cristo são sacerdotes e religiosos conservadores, que não desejam estar
nem atrás, nem a frente, mas “al paso de la Iglesia” (expressão cunhada
pela congregação). Cito alguns aspectos que podem ilustrar isto:
·
Uso da
Batina: Os religiosos da Legião usam batina dentro do centro de formação (de
fato, o Concílio nunca “proibiu” ou sequer aconselhou que não se usasse mais a
batina, apenas removeu o caráter “obrigatório”). Por outro lado, não praticam
esportes usando batina e, quando saem de casa, usam o clergyman
ou, até, a camisa clerical, sem problema algum. Talvez, para o católico comum,
isto não tenha importância alguma, mas o fato é que este é um dos vários
aspectos disciplinares que diferencia significativamente os Legionários dos padres
tradicionalistas.
·
Estudo do
Latim e do Grego: Desde o seminário menor o Legionário de Cristo é
escolado nas línguas clássicas; de modo especial, nas Humanidades Clássicas
o religioso Legionário passa por uma profunda imersão no latim e no grego
koiné. As missas de Segunda e de Sexta, bem como as principais festas
litúrgicas são sempre celebradas na língua latina.
·
Canto
Gregoriano: Desde o seminário menor o Legionário aprende o canto
gregoriano e suas noções básicas para a leitura das partituras e suas
peculiaridades (arsis, tesis, etc.). O canto Gregoriano faz parte do dia
a dia de oração do religioso Legionário, que inicia suas atividades cantando
diariamente o Veni Creator Spiritus; o canto gregoriano faz parte da
vida litúrgica e é objeto constante de estudo na congregação.
·
O Missal
de Paulo VI: Os Legionários celebram reta e fielmente o missal de Paulo
VI (ao invés do Rito Tridentino, tão preferido pelos tradicionalistas).
Recordo-me de uma ocasião na qual o Cardeal Ratzinger, após presidir uma
celebração Eucarística no Centro de Estudos Superiores da Legião em Roma,
louvou a congregação pela sua fidelidade e dignidade na celebração litúrgica.
Também é de se levar em conta o fato de que, desde muito tempo, os Legionários
são escolhidos para acolitar as Missas celebradas pelo Santo Padre nas grandes
festividades (ressalto sobretudo a missa de Natal).
·
Uso do
Órgão: Os Legionários de Cristo fazem uso do órgão nas celebrações litúrgicas.
Casualmente, vi o uso de outros instrumentos como violinos, flautas, violões,
etc., mas sempre com o mesmo espírito de fidelidade ao sentido litúrgico.
·
Ecumenismo:
Nunca vi algum superior ou formador que demonstrasse qualquer tipo de hostilidade
ao espírito ecumênico. Muito pelo contrário, sempre percebi a norma da
caridade, do respeito, considerando os irmãos separados até como dignos de
imitação sob muitos aspectos.
Percebi, dentro de um processo de três anos, que corresponderam aos
meus votos temporários, que minha vocação não era a de um religioso da
Congregação dos Legionários de Cristo. Contudo, trago comigo todo o legado
desta formação que, agregada às demais experiências eclesiais que pude ter nestes
anos, geraram aquilo que constitui o meu pensamento sobre os mais variados
temas e, especificamente, sobre o tema deste livro.
Meu retorno ao Movimento Carismático...
Quando deixei a Congregação, em 2006, passei a integrar, poucos meses
depois, a equipe do Escritório Nacional da Renovação Carismática Católica. No
afã de fidelidade à Igreja de Cristo que havia ficado tão marcado na minha
formação – e que segue intacto! –, comecei a “devorar” todos os livros que eu
encontrava sobre o tema do Batismo no Espírito Santo e as Manifestações
Carismáticas, no desejo de encontrar fundamentações que legitimassem
a experiência carismática na tradição da Igreja. Como secretário do
presidente do Conselho Nacional da RCC naquele então, pude ter acesso a um belo
acervo de livros e artigos que Marcos Volcan havia recolhido desde sua
juventude e que ele usara em seus estudos como teólogo. Comecei a ler as
apostilas elaboradas pela Comissão de Formação da RCC (uma a uma) e algumas
obras de Suenens, Francis McNutt, Ralph Martin, Steven Clark, Patti
Mansfield, Killian McDonnel, Benigno Juanes, Carlos Aldunate, Heribert Mühen,
Yves Congar, Denise Brakebrough, Raniero Cantalamessa, Daniel Ange entre
outros. Li também, no desejo de entender o Movimento Pentecostal, obras
de Leonard Ravenhill, David Wilkerson, Aimee Semple Mcpherson, Daniel
Berg e obras como “O Avivamento de Azuza Street”, “Porque tarda o
pleno avivamento”, entre outras.
Conversando, partilhando, orando e ouvindo a pregação de homens como
Tácito Coutinho (Tatá), Marcos Volcan e Reinaldo Beserra, à luz dos anos de
estudos escolásticos na Legião de Cristo e dos estudos realizados enquanto me
debruçava sobre os livros (coisa que faço até hoje), fui gerando uma síntese
daquilo que vem a ser o meu pobre entendimento acerca do Movimento Carismático
dentro da Igreja Católica: sua natureza e sua missão, suas forças e
debilidades.
Conheci a muitos líderes da Renovação Carismática do Brasil e do Mundo através
das reuniões promovidas pelo ICCRS – International Catholic Charismatic
Renewal Services – pelo CONCCLAT – Consejo Carismático Católico
Latinoamericano – e pelo Conselho Nacional da RCC. Estive no Uruguai, na
Argentina, no Paraguai, em Honduras, nos Estados Unidos, na Itália e percorri
quase todos os Estados da nossa nação. Pude, portanto, ter um bom conhecimento
de campo a respeito da Renovação.
Hoje coloco minha vida profissional ao serviço do Reino na Associação do Senhor Jesus e Rede Século 21,
fundada e presidida pelo Pe. Eduardo Dougherty, SJ, o principal
responsável pelos inícios da Renovação Carismática Católica no Brasil. A este
jesuíta cheio do Espírito Santo e comprometido “hasta los uesos” com a
instauração do Reino de Cristo nos corações de todos os homens, eu expresso
minha mais profunda admiração e gratidão. Pelo seu sim de jovem, o grupo
de oração do Olaria pôde, décadas depois, existir e ser instrumento de Deus
para a minha vida e a de minha família. Pelo seu sim de hoje nós podemos
pregar o “Evangelho da Vida” a milhões de lares brasileiros através do sinal da
nossa TV.
“Legionário Carismático”?
É possível coadunar a vivência profunda da liturgia com a experiência
carismática? É possível ter a fidelidade litúrgica de um legionário e a
expressão de louvor e oração de um “carismático”?
De fato, esta é a principal
questão que motivou o meu livro. Bem sei que hoje existe quase que um consenso
a respeito desta questão. Diz-se: “Missa é Missa e grupo de oração é grupo
de oração”, como quem afirma: “Uma coisa não tem nada a ver com a outra” ou
“não queiram fazer aqui o que vocês fazem lá” ou ainda – sendo mais sincero –
“façam a ‘escola de samba’ de vocês em outro lugar, mas não aqui na missa”.
Contudo, a Renovação Carismática não veio para ser “algo a parte” da
vida da Igreja, que empresta o espaço do templo uma vez por semana para fazer
“o seu negócio”. O Batismo no Espírito Santo e as manifestações carismáticas
são experiências que todo e qualquer católico poderia muito bem fazer não
obstante sua pastoral, serviço ou carisma específico, em primeiro lugar (isto
compete Àquele que batiza com Espírito Santo e com fogo, e não a nós!). Em
segundo lugar, a manifestação do louvor alegre e jubiloso não tem relação
alguma com os “desvarios” promovidos por certos grupos (infelizmente em grande
número) que há muito tempo abandonaram o profundo louvor da espiritualidade
de pentecostes e o substituíram pela animação de massas. Eu sempre
disse isto e, agora, vou cunhar esta frase aqui:
Se eu quisesse “animação” ... iria num
show de Ivete Sangalo. Se eu quisesse técnica e poesia num estilo “pop” ...
iria num show do Roupa Nova (que eu “adoro”, por sinal). Quando vou a um
encontro de oração carismática... eu espero uma condução de louvor e adoração
séria, madura, inspirada, profética, bíblica... eu espero unção!
E como falar de profunda vida de oração comunitária sem levar em conta
a Liturgia? De fato, se a “experiência carismática” for totalmente alheia à
vida litúrgica da Igreja... Ela não pode ser considerada plenamente “católica”.
Veremos, nas linhas que se seguirão, que não corremos este risco, pois a
Liturgia sempre foi contemplada pelos grandes líderes da Renovação como
local de atuação.
A proposta do Livro
As linhas que se seguirão irão defender as seguintes premissas:
1.
A Renovação Carismática
Católica, enquanto “corrente de graça”, está orientada a avivar o modus orandi dos católicos. As celebrações litúrgicas são o principal
momento, o ápice da oração católica. Portanto, se a Renovação Carismática não
se orienta para o avivamento litúrgico, ela não cumpre o seu propósito na vida
da Igreja.
2.
A Missa é constituída das
dimensões sacrifical e festiva/escatológica; a liturgia, em seus tempos e
momentos, enfatiza ora uma ora outra dimensão; contudo, trata-se apenas de uma
questão de ênfase, pois são dimensões co-essenciais da Missa. Uma dimensão não
exclui a outra.
3.
A Tradição Litúrgica e a
Espiritualidade de Pentecostes não estão em oposição, mas em perfeita harmonia, de modo que tudo aquilo que emana do modus
essendi do carismático está em perfeita harmonia com a liturgia.
4.
O levantar das mãos, os aplausos
e a experiência gozosa e jubilosa do louvor e da adoração não são acidentais no Movimento Carismático, mas essenciais. É
parte constituinte desta espiritualidade, e não um mero adereço.
5.
A manifestação dos carismas não
é acidental, mas essencial.
Este texto deseja ser uma sadia e ousada provocação aos líderes da
Renovação Carismática Católica em todas as suas expressões. Durante alguns anos,
como já escrevi acima, eu pude servir à Renovação como membro da equipe do
Escritório Nacional. De todo o meu coração eu acredito nos Conselhos Nacional e
Internacional como instâncias de escuta, discernimento e direcionamento; eu
acredito que, verdadeiramente, Deus fala aos nossos líderes e sempre disponho o
meu coração para viver todas as moções oriundas destes conselhos. Faço todo o
esforço para me fazer presente nos Encontros Nacionais de Formação e nos
Congressos Nacionais da Renovação aqui no Brasil. Leio tudo aquilo que o ICCRS
nos disponibiliza como diretrizes e formações. Portanto, não tenho a mínima intenção
de “bater de frente” ou “desafiar o status quo” no que tange à
competência de nossos líderes no Movimento.
Por outro lado, desde o Antigo Testamento, atravessando toda a história
da Igreja até nossos dias, sabemos que Espírito do Senhor não deixa de agir e
dar direcionamentos não somente pela via hierárquica, mas também pela via
carismática; embora haja, entre nós pecadores, um sentimento de
tensão entre estas dimensões co-essenciais da Igreja... Esta tensão não existe
para a Terceira Pessoa da Trindade Santíssima! Assim como no livro dos Números (cf. Nm 11,
16; 24-30) eu desejo ser uma voz a profetizar, ainda que “fora da tenda”, sem
perder, de forma alguma, todo o meu respeito por meus líderes.
Entristece-me sobremaneira perceber que há uma corrente de tradicionalismo
invadindo a Renovação Carismática Católica do Brasil, com nefastas
consequências no campo do ecumenismo e da prática carismática (mexendo,
portanto, com a nossa essência). Por isto a preocupação pelas consequências do
tradicionalismo na Liturgia é aquilo que consome o meu coração no decorrer
dessas páginas. É necessário buscar o sadio equilíbrio que conserva a tradição
e não extingue o Espírito.
Defender a nossa identidade – aquilo que Deus
mesmo quer que nós sejamos! – e defender o Depósito da nossa Fé no que concerne
à Liturgia não é uma decisão que possa ser postergada. Vivenciar profundamente
a liturgia é conditio sine qua non para que continuemos a usar aquele
último qualificativo que carregamos no nome do nosso Movimento: “Católica”!
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