terça-feira, 31 de março de 2015

A RENOVAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO - APRESENTAÇÃO DA TESE



Deus dá a cada um alguma prova da presença do Espírito, para proveito de todos (1 Co 12, 7)

1. Finalidade desta Tese

É meu propósito, ale da finalidade acadêmica e científica desta tese, que detalharei mais adiante, apresentar a realidade da Renovação em uma perspectiva histórico-sistemática, para despertar o interesse por ela e facilitar o conhecimento da mesma. Poderia afirmar-se, neste sentido, que a finalidade desta tese é ir mais além da fronteira acadêmica, porque aspira fazer com que a Renovação Carismática Católica recupere mais de seu brilho e força. A rigor, contudo, o propósito e finalidade acadêmica estão de mãos dadas, pois toda a ajuda científica constitui um oferecimento aos demais e comporta o desejo de que os destinatários se interessem e se associem ao esforço que exige o compromisso ou tarefa de ampliar esse conhecimento.

Esta tese pretende, no plano acadêmico, portanto, apresentar, interpretar e valorizar criticamente, desde uma perspectiva histórica, experiencial e teológica, fundamentalmente, um acontecimento eclesial inserido na Tradição da Igreja. O objetivo imediato não é outro senão o de convidar os leitores a participar daquele mundo universitário no qual a Renovação nasceu, destacando sua consistência teológica, a gratuidade com a qual o Espírito opera e o importante papel da Renovação, que está chamada a dinamizar a vida da comunidade cristã.

Um acontecimento desta natureza merece para qualquer estudioso da sociologia e fenomenologia religiosas, e ainda mais para um estudioso que crê e quer dar razões fundadas de sua fé, uma análise intelectual em profundidade que, creio, pelo que conheço, não havia sido realizada ainda, pelo menos não de modo sistemático. Se trata, com efeito, de um acontecimento que está transformando a Igreja. Ignorar a Renovação Carismática, da que se pode afirmar que está em e com a Igreja, é desconhecer uma grande realidade que está influenciando poderosamente nossos âmbitos eclesiais. Renovação Carismática constitui uma graça para nosso tempo.

Concretizando o conteúdo deste trabalho, posso assinalar que nele se trata sobre a História da Renovação Carismática Católica (Renovação no Espírito Santo), desde suas origens e seu desenvolvimento, e se identificam os seus fundamentos teológicos, que sobejassem principalmente nos seis Documento de Malinas, do Cardeal Suenens. O trabalho estuda também a Renovação em uma perspectiva eclesial, através de diferentes apartados onde se valoriza a experiência e se expõe seu marco teológico segundo o interpretam autores pertencentes à Renovação, fazendo uma retomada, desde a história primitiva da Igreja, para por em manifesto a realidade e o significado da experiência do Espírito Santo na Sagrada Escritura e na tradição patrística.

Em seguida, seguem-se algumas reflexões sobre o Batismo no Espírito Santo (Efusão) e os Carismas. Neste ponto, foram magistrais as intervenções de Suenens desde o começo da Renovação. Fecha-se o corpo da tese com um apartado reservado à Maria e a Renovação. Um capítulo de conclusões, no que se faz um balance do grau de cumprimento dos objetivos perseguidos como novo adendo ao campo de conhecimento em que se inscreve a tese, põe fim ao trabalho, ao que acompanha um apêndice de Documentação.

Algumas reflexões e aclarações prévias

A sociedade ocidental, qualificada de opulenta, apesar de suas manifestas desigualdades, é consumista e hedonista. A Igreja deve seguir, portanto, iluminando a realidade social apresentando os valores morais genuínos. Em uma cultura empirista e racionalista, alheia aos valores espirituais, está instalado o ateísmo prático, como recordava já a Gaudium et Spes 7, no Vaticano II.

Renovação Carismática Católica aflora paradoxalmente nesta sociedade. Quando falamos de Renovação Carismática, não nos referimos a alguma organização  como as que se deram na renovação litúrgica ou na renovação bíblica, dentro da Igreja Católica, mas a Renovação Carismática Católica que existe hoje em quase todos os países e que foi definida pelo cardeal Suenens como “Igreja em Movimento, Igreja de Pentecostes, Renovação no Espírito Santo”.

A Igreja dos Atos dos Apóstolos se apresenta de novo como parâmetro eclesial. Suenens, em seu livro “Um novo Pentecostes?” afirma que “o Espírito Santo, com seus dons e carismas, devolve a esperança ao povo cansado. A Igreja recobra suas forças. Os sacramentos recobram a sua luz. A fé se desperta nos corações. Os cristãos buscam-se mutuamente para orar juntos e viver em comunidade. Não é isto o que profeticamente nos foi anunciado no Concílio Vaticano II?”¹.

Se pode dizer que a Renovação constitui uma realidade complexa. A experiência mostra que chegar a encontrar-se com a mensagem própria da Renovação é difícil, muitas vezes, para os que “estão dentro” e sempre mais para os que estão fora. Por outra parte, a Renovação não é só o que deveria ser, mas também o que é em concreto, ou seja, seus feitos e suas conseqüências. Por isto, não se deve estranhar que um discernimento sobre a Renovação inclua diversas perspectivas.

Como fenômeno humano-religioso, a Renovação deve ser interpretada desde a sociologia da religião, ao mesmo tempo que poderíamos questionar-nos se ela se não se constitui não fenômeno religioso “de conjuntura” provocado pela crise atual, cultural e espiritual do ser humano. Por outro lado, devemos investigar se o caráter principalmente urbano e leigo da Renovação nos proporciona certos elementos para a compreensão da situação atual do mundo e da Igreja. Quem sabe se possa conceber como uma reação contra o materialismo e o hedonismo sangrantes, prova da descristianização massiva do povo.

A dimensão histórica aparece como elemento imprescindível para valorizar as correntes que permanentemente influem na história da Igreja e que as vezes oferecem características singulares e próprias na vida espiritual individual e coletiva. Daí a importância de assomar-se aos ambientes anteriores à Renovação, com referência aos distintos movimentos religiosos que aparecem neste recorrido histórico, cujo conhecimento resulta necessário para interpretar corretamente a Renovação, nesta perspectiva histórica ².

A parte histórica desta tese é certamente uma novidade no que diz respeito a outros trabalhos e estudos análogos já existentes sobre a Renovação, trabalhos e estudos, por outra parte, escassos no que se refere a suas origens, carentes desses dados que agora se disponibilizam. Ditos estudos se devem ao professores Kevin e Dorothy Ranaghan e Padre Edward D. O’Connor, da Universidade de Notre Dame, South Bend, Indiana; a David Mangan e Patty G. Mansfield, estudantes da Universidade de Duquesne e do Espírito Santo, de Pittsburgh, quando se consolidou a Renovação. Nenhum deles contem a informação completa que aqui se apresenta sobre as origens da Renovação. Contudo, todos eles contribuíram com importantes participações, que me enviaram para poder realizar este traablho.

Sinto devedora, em grande parte, de Patrick Bourgeois, professor da Universidade de Duquesne, de Pittsburh, naquele então, e um dos professores que recebeu primeiro o Batismo no Espírito Santo. Recolhi sua informação através de seus escritos e cópia de seu livro “Can Catholic be Carismatic?” de 1976, que ele mesmo me enviou.

Nas distintas viagens que realizei para conseguir mais informação, conheci outro dos professores, Bill Storey, a quem visitei. Na Universidade de Duquesne, obtive a versão que ele escreveu sobre os fatos acontecidos naquele então. O terceiro professor de daquela época, Ralph Keifer, já havia falecido. Foi muito importante, neste nosso empenho, a versão do capelão, Padre Joseph A. Healy, presente no Retiro de Duquesne, que me concedeu uma entrevista pessoal em Pittsburgh, em 1997, dando-me por escrito, posteriormente dados confiáveis.

Todo isso contribuiu, na minha opinião, para conseguir uma composição histórica rigorosa e consistente, por basear-se em testemunhos originais ³.

Um dado importante, também na linha anterior, é que esta teste se remonta às Primeiras Conferências Episcopais que expuseram sua opinião sobre a Renovação nos difíceis começos desta. Nela se insiste também na substância dos nove Congressos da Renovação celebrados até hoje, com a assistência dos Papas Paulo VI e João Paulo II, com suas opiniões sobre esta.

É obrigação imposta pelo rigor histórico e teológico destacar a figura do cardeal Suenens e o testemunho atual de pessoas relevantes que colaboraram no nascimento e redação dos Documentos de Malinas.

No plano teológico procede que nos perguntemos se a Renovação expressa, também como fruto de condicionamentos históricos, a verdadeira mensagem cristã, de acordo com a realidade atual. Isto nos levaria a indagar sobre a resposta genuína à vontade de Deus na Igreja e no mundo de hoje.

Podemos, assim, interrogar-nos no plano antropológico e desde outra perspectiva teológica se a Renovação é um fruto de Pentecostes permanente da Igreja, chamada à Evangelização dos povos, e uma exigência também de renovação eclesial.

Enquanto à projeção eclesial, temos nos detido na experiência da Renovação na Igreja, ponderando a opinião dos teólogos sobre a Renovação, entre os que se destaca Kilian McDonnell. Este, desde a tradição patrística, a reflexão sobre o Batismo no Espírito Santo (Efusão) e os carismas, julga positivamente a experiência destes na Renovação.

Um amplo apêndice de Documentação que chega até a atualidade, com testemunhos pessoais de membros da Renovação, fecha um trabalho de horizonte plural e interpelador sobre a Renovação Carismática Católica.

Por último, devo confessar que procurei, logicamente, manter uma saudável atitude crítica com relação ao que entranha e significa a Renovação para concebê-la e apresentá-la, à margem de tendências pessoais, como uma realidade que navega a favor do vento do Espírito.

Renovação Carismática Católica, dom de Deus, tempo de um novo Pentecostes. Deus derrama sobre nós o Espírito para encher nossos corações e renovar a Igreja, ou seja, situa-se no mesmo coração da Igreja, porque a Igreja está no coração da Renovação e a Renovação está no coração da Igreja, interpretação ou leitura que, de modo algum, que questiona, hoje em dia.

2. Itinerário e conteúdos da tese

Tomando como referência o marco e reflexões anteriores, pretendeu-se expor, de maneira sistemática, a visão integral da Renovação Carismática, investigando suas origens e desenvolvimento até chegarmos a sua situação atual, destacando e ordenando, de mãos dadas com os estudiosos e o Magistério, seus fundamentos teológicos. A teologia que subjaz na Renovação é objeto de atenção principalmente nos seis Documentos de Malinas do cardeal Suenens.

O trabalho tomou em consideração o peso específico e a importância da Renovação na realidade eclesial, a través do testemunho pessoal e das reflexões daqueles que não só a estudaram, mas a viveram. Surge assim uma reflexão teológica desde o contexto histórico em que aparece a Renovação Carismática. As dimensões eclesiológicas e culturais, próprias de todos os acontecimentos de nossa história cristã são também ineludíveis na consideração da Renovação – escrevia Pedro Fernández Rodríguez –. Devemos considerar a identidade de “algo” que, passada a metade do Século XX e com tão somente 35 anos, inflamou com a chama do Espírito a milhões de pessoas e se encontra estendido por todo o mundo com uma avanço vertiginoso, ratificado pelos bispos como pastores de suas dioceses 4.

É necessário ser conscientes da fé que alimenta a Renovação e da cultura na que ela se manifesta. Resulta inevitável comprovar a força interior que reside na entranha da Renovação, porque um iceberg não se pode considerar exclusivamente observando a parque que emerge das águas, como também não se pode estudar a Ilha de Páscoa prescindindo da base imersa, já que se trata tão somente de uma pequena “taça” vulcânica que aflora na superfície do oceano, disposta, ao que parece, no transcurso dos anos para emergir progressivamente. Assim também, no estudo da Renovação se faz preciso tentar descobrir a obra íntima, profunda do Espírito, destorcendo de alguma forma ao manifestar-se através das pessoas e suas imperfeições.

Algumas primeiras perguntas na linha indicada: Por que a Renovação aparece precisamente neste tempo? Quais foram as motivações concretas deste despertar carismático surgido espontaneamente hoje em dia? Neste sentido teríamos que perguntar-nos também pela situação atual da Igreja Católica e pelas necessidades e esperanças dos povos. No contexto católico da Espanha caberia também formular estas interrogações: Não era algo estranho, no mundo da espiritualidade espanhola, este fenômeno da Renovação Carismática? Acaso não era a Renovação uma experiência desnecessária em uma nação onde a espiritualidade cristã se distinguiu tradicionalmente pelo vigor e a diafaneidade, próprias das genuínas experiências de Deus? E que teremos que fazer para que a Renovação se constitua realmente numa oportunidade para a Igreja, como dizia Paulo VI? Todo isso, tal como indicava mais acima, exige, sem dúvida, um ponto de reflexão para poder ensaiar respostas.

Aspectos eclesiais

Procede em consciência, desde uma perspectiva eclesial, explicar o significado e a contribuição desta renovação para a Igreja. A História da Renovação Carismática é a ocasião para investigar nossas raízes e comprovar o que o Batismo no Espírito Santo significou para a Igreja primitiva e há de significar na Igreja de hoje e de amanhã. Abra-se, assim, a Igreja ao “Senhor da História”. O poder vitalizador do Espírito Santo não pode limitar-se ao marco estreito da piedade. Um dos dons que a Renovação traz à Igreja é o conhecimento, a consciência do Batismo no Espírito Santo (Efusão). Isto supõe ter um encontro pessoal com Jesus e uma experiência da renovação do sacramento do Batismo e da Confirmação para todos os cristãos, isto é, reconhecer no homem Jesus ao Filho de Deus. Esta graça especial é dom de conversão através do qual se recebe uma nova e significante abertura ao poder e dons do Espírito Santo e, mais que um conhecimento isolado, o Batismo no Espírito constitui assim o início de um processo de transformação que põe um maior acento nos carismas.

Desenvolvimento desta Tese

Apresentada de forma ordenada, a tese inclui as seguintes partes:

  • Primeira parte: Origens históricas da “Renovação” Carismática Católica.
  • Segunda Parte: Acompanhamento doutrinal da Igreja à Renovação Carismática.
  • Terceira Parte: Marco Doutrinal. Documentos de Malinas e Intervenções de Suenens na Renovação.
  • Quarta-Parte: A Renovação Carismática em uma Perspectiva Eclesiológica. Batismo no Espírito Santo e os Carismas.
  • Finaliza com dois apartados: Primeiro, o dedicado ao reconhecimento do importante papel de Maria na Renovação; segundo, o lugar da Renovação na Igreja Católica, com um extrato dos estatutos da Renovação na Espanha, recentemente aprovados.

Conclusões

Nas conclusões se procede a uma ponderação sobre o resultado do trabalho em função dos objetivos pretendidos, destacando aqueles pontos que, segundo nosso critério, supõem uma contribuição no plano do estudo e da investigação.

Apêndice Documental

O trabalho se enriquece com valiosos documentos que constituem um testemunho da vitalidade da Renovação desde o ponto de vista espiritual e sociológico. Sua incorporação nos pareceu conveniente por sua importância e para facilitar sua consulta ao leitor. Assim se incluem:

Recopilação das declarações feitas nos Nove Congressos Internacionais da Renovação e exortações dos Papas (encontramos o parecer eclesial sobre a Renovação, as intervenções papais e o conteúdo resumido dos nove Congressos Internacionais).


Encontro Internacional da Renovação no Espírito Santo, Rimini, ano 2000, com tema: “Todas as nações caminharam à Luz do Cordeiro” (cf. AP 21, 24) com testemunhos de participantes e nova visão da Renovação para o futuro.

Testemunhos do P. Tardif, M. S. C. e de Dom José Luis Azcona, O. A. R.

3. Indicações terminológicas e metodológicas

3.1. Terminologia: Denominação e manifestações da Renovação

A Renovação Carismática
O nome de Renovação Carismática (Renovação no Espírito Santo) pode provocar certas objeções. O Cardeal Suenens chamou-a, em princípio, Renovação de PentecostesIgreja em Movimento e, depois, Renovação no Espírito Santo, porque o qualificativo de carismática correspondia a toda a Igreja. Assim, insistia Suenens:
... O término carismático não tem de per si nenhum sentido exclusivo. A Igreja inteira e cada cristão, em virtude de seu batismo, são carismáticos. Ainda que, em verdade, o termo tenha tomado um sentido histórico quando se refere à Renovação no Espírito Santo5.
Yves Congar, O. P., advogava em prol de que ninguém se apropriasse do término carismático, já que, racionava ele, todos aqueles que não pertenciam à Renovação Carismática se convertiam em “não-carismáticos”, conseqüência que ele fundadamente rechaçava.
Francis Sullivan, S. J., professor da Gregoriana de Roma e teólogo da Renovação, também está de acordo com o Cardeal Congar sobre o fato de que o uso do término carismático pode ser objetável. A verdade é que qualquer um que tenha recebido um carisma e o use para a construção do corpo de Cristo pode, com toda a razão, ser chamado de “carismático”. Pode haver, portanto, pessoas na Renovação que o sejam, como também outras, genuinamente carismáticas, que não participem nela7.
Carlos Aldunate, S. J., afirma que a denominação de Renovação Carismática, utilizada em muitos países, tem a vantagem de por em relevo uma das preocupações da Renovação, mas não a única: a integração de todos os carismas na totalidade da vida da Igreja, tanto em nível local como universal. Contudo, apresenta também alguns inconvenientes. Um observador não muito envolvido nela poderia ter a impressão de que a Renovação tende a apropriar-se de algo que pertence à natureza da Igreja8.
Renovação no Espírito Santo ou Renovação Espiritual
Em certos lugares se evita a expressão Renovação Carismática e se prefere chamar de Renovação no Espírito Santo ou Renovação Espiritual, ou simplesmente Renovação, dirá também Carlos Aldunate, S. J.9. Esta opção permite, efetivamente, evitar as dificuldades antes mencionadas. Contudo, pessoas não envolvidas na Renovação assinalaram que essa expressão costuma dar lugar a confusão, posto que há uma pluralidade de movimentos de renovação espiritual na Igreja. Para eles a apropriação dos termos espiritual e renovação indicariam que só haveria um movimento de renovação e consideram isso presunçoso. Qualquer que venha a ser a terminologia utilizada é necessário tomar cuidado para não criar equívocos enquanto à natureza e às finalidades da realidade eclesial que designa. Assinala Suenens o fato de que aqueles que estão na Renovação a experimentam como algo que pertence, em profundidade, à Igreja como tal e constitui o coração mesmo de toda a vida cristã.
Um término mais apropriado seria, quem sabe, Renovação no Espírito Santo ou Renovação, já que as expressões Renovação Carismática ou Carismáticos carecem de rigor histórico ou teológico. O individualismo ou a divisão dos cristãos em classes resultam incompatíveis com a comunhão eclesial e não correspondem, por outra parte, à realidade. Em todo caso resulta importante que as denominações locais não danifiquem o que a Renovação tem de específico em quanto experiência espiritual, ou seja, o fato de que a força do Espírito Santo, comunicada no Batismo e na Confirmação, chegue a ser objeto de experiência consciente e pessoal.
Não deveria utilizar-se o término “movimento” com referência à Renovação
Convém, para evitar ambigüidades e erros, não utilizar o término movimento ao referirmo-nos à Renovação. Desde o ponto de vista sociológico e religioso seria legítimo qualificar à Renovação de movimento, mas para a maioria das pessoas tal término sugere que se trata de uma iniciativa humana, de uma organização e, portanto, o resultado de um esforço humano. Não existe tal na Renovação. Até agora não se tem chamado-a de movimento; contudo, o que começa sendo uma corrente de vida espiritual, quando necessita a aprovação da Igreja mediante a formulação de regras ou Estatutos, consideram-se um movimento eclesial. A Renovação é uma chamado universal, no sentido de que toda a Igreja viva esta corrente de graça do Espírito. Suenes costumava dizer: “A Renovação está chamada a perder-se na totalidade da Igreja”, uma Igreja toda renovada10.
Como se entende, então, a Renovação?
Renovação é uma corrente de graça que pode se identificar no tempo. Se perguntássemos “o que é a Renovação Carismática?” poderíamos responder: “o Espírito Santo em ação”, “viver intensamente do Espírito”, “o encontro com Jesus”, “viver o amor de Deus”, “o descobrimento da força do Espírito e dos fundamentos da fé”. O cardeal Suenens, a esta pergunta – o que é a Renovação – responde: “A Igreja em movimento, simplesmente saber ser cristão”. Aspectos que se corroboram ao longo de toda a tese: o ser cristão conjuga ação e renovação, não é algo estático.
Lema que se confirmou na Conferência Internaciona em junho de 1977, ao celebrar os 30 anos de evento de Pittsburg, onde nasceu a Renovação: Jesus Cristo ontem, hoje e sempre” (Hb 13, 8). E sobre o que o Padre Patsy Ianquinta, Presidente da Coordenadora Nacional dos EUA, dizia: “a Renovação Carismática está mais além de ser um movimento; é uma maneira de viver cristamente”11.
“A Renovação Carismático (Renovação no Espírito Santo) procura uma busca e ora por ter uma experiência com Deus em um estivo que nos leva de modo simples a ser cristãos. Uma de suas originalidades é a de aceitar a verificação teológica, a de desejar o diálogo com aqueles fiéis que não estão de acordo com o estilo da Renovação, que a infravalorizam e, inclusive, a marginalizam. É necessário, portanto, uma profunda reflexão sobre o essencial do ser cristão no espírito da Renovação para, desta forma, poder compartilhá-la” 12.
Para uma interpretação correta do significado e projeção da Renovação se requer também uma consideração do contexto social e teológico do cristianismo atual, no que as estruturas rígidas, políticas ou religiosas, encontram-se em crise, surgindo a espontaneidade por todas as partes, como se manifesta nos grupos religiosos e no desenfado juvenil. A Renovação Carismática era definida, na 23ª Assembléia Nacional, dos dias 6 a 8 de julho de 2001, em Madri, como:
Corrente da que se beneficiam grupos que, impulsionados pelo Espírito Santo, querem viver a Boa Nova do Evangelho, dando ao mundo um testemunho de esperança... Pessoas de todas as classes sociais se reúnem para louvar ao Senhor e reavivar os dons e carismas das primeiras comunidades cristãs 13.

Busca e experiência do Espírito com a qual a Renovação contribui com a Igreja

Carlos Aldunate, S. J. propôs o seguinte esquema em uma reunião que tivemos no Chile e na que falamos do conteúdo desta tese 14:

Na Renovação vale a pena observar como a experiência da pé ao testemunho da testemunha (cf. At 10, 40-41). Os apóstolos compartilham a Última Ceia; mais tarde seus testemunhos serão base para a doutrina e para os preceitos.

Preceitos
Ensinamento da Religião
Doutrina


Testemunho
O que a Renovação traz, contribui com a Igreja
Experiência

Nosso ensinamento religioso costuma derivar-se diretamente da doutrina e dos preceitos. Falta-lhe a vida que é própria do testemunho baseada na experiência pessoal. Uma contribuição da Renovação é a experiência religiosa, que permite o testemunho e vivifica o ensinamento de nossa fé. A Experiência precede a toda doutrina, como precedeu nas primeiras comunidades cristãs. É preciso ter em conta que, se o experiencial está ausente da cultura religiosa ou da prática litúrgica, acabamos por ficar com uma fé conceitual, que não seria suficiente para sustentar aos cristãos em sua situação atual”.

Nestes tempos de uma Nova Primavera da Igreja, são muitas as pessoas que receberam e recebem a experiência do Espírito Santo. A Renovação Carismática aparece como uma nova experência na Igreja Católica, em momentos nos quais se começava a buscar caminhos para por em prática a renovação da Igreja, querida, ordenada e inaugurada pelo Concílio Vatino II. A Renovação é, portanto, segundo a apreciação do cardeal Suenens:

Como uma segunda graça de Deus à Igreja e ao mundo, depois desta primeira graça que foi o Concílio Vaticano II. O Concílio foi uma graça pentecostal eclesial a nível de bispos; a Renovação, graça pentecostal, produz-se dentro de uma grande comunidade cristã.

Experiências da Renovação

Renovação, como “Graça de Pentecostes” que é, reproduz, entre outros efeitos, estas manifestações:

O Louvor

Uma das características que definem à Renovação é o louvor, que chama a atenção a todas as pessoas que se aproximam dos grupos porque é uma maneira de orar pouco comum. Contudo, como dizia Santa Teresa, “deve haver uma língua de louvor”. O louvor poderia ser definido – entre outras acepções – como uma explosão de júbilo que brota do coração aceso pelo fogo do Espírito presente em nós e que se expressam nos lábios. Muitas pessoas que visitam pela primeira vez aos grupos para ver, depois da acolhida que recebem, seguem participando dos encontros porque percebem e intuem uma presença forte e amorosa de Deus até confessarem: aqui está o Senhor.

O Batismo no Espírito Santo

Ainda que a Efusão ou Batismo no Espírito Santo será objeto de uma reflexão bíblica e teológica, é bom esclarecer desde o princípio que o Batismo no Espírito Santo (Efusão) não é um novo sacramento, mas uma presença notória da ação do Espírito Santo nas almas. Como já foi dito, poderia se definir como experiência de renovação do Batismo e da Confirmação; trata-se do dom de conversão. Não é um acontecimento isolado, mas algo que inicia um processo de transformação para todos os cristãos. Tem efeitos notáveis: uma maravilhosa paz interior, uma alegria incontida, uma amor espiritual a todos. Uma paz que provem do saber que Cristo está VIVO e está presente em nossas vidas com seu poder. Um amor grandioso, porque sabemos que somos irmãos. Tem, também, uma dimensão sobrenatural porque nos convencemos de que nossa vida associada a Jesus será eterna. A evidência vital daquele que recebeu o Batismo no Espírito Santo é o fato de começar a glorificar a Deus por meio de sua vida e de seus lábios. É uma mudança na maneira de expressar-se, na conversação, nas atividades... Sentes um poder e fervor que te assombra, tanto a ti quanto aos outros (cf. Ef 5, 18-21; Col 3, 14-17).

Os Carismas
A teologia dos carismas, assinala Aldunate, está baseada em São Paulo. Entre outros textos recordemos: “Nem aquele que planta, nem o que rega, pode considerar-se algo, pois é Deus quem dá o crescimento” (cf. 1 Co 3, 7-9). Também: “Nem minha pregação foi de palavras persuasivas de sabedoria humana, mas com demonstrações do Espírito e de Seu poder” (cf. 1 Co 2, 4). O Carisma se dá quando o Espírito Santo agrega à ação humana uma eficácia que vai mais além das capacidades humanas. “Há diversidade de operações (carismas), mas é o mesmo Deus quem opera tudo em todos” (1 Co 12, 6). Por exemplo, o Padre Emiliano Tardif (recentemente falecido) tinha um notável ministério mergulhao.074@hotmail.com; de cura: orava por curas e muitas se produziam; mas ele não sabia a quem Deus curaria; ele não “manejava” um poder curador. Deus cura aos que Ele quer e dá também a alguns o poder de curar (cf. 1 Co 12, 9).

3.2. Metodologia

Etapa de trabalho

A elaboração desta tese conheceu diversas etapas que, de um modo sistemático, podem resumir-se nas seguintes fases: de documentação, incluindo o ordenamento do material; de interpretação e estudo dos documentos em sentido amplo; de elaboração da tese em sentido estrito. É claro, contudo, que estas fases não se sucederam sempre e necessariamente no tempo, na etapa de interpretação e estudo complementário, e, em ocasiões, na revisão das primeiras conclusões. Neste sentido, o próprio objetivo geral da tese foi centrando-se e adquirindo seus perfis definitivos ao ritmo do próprio trabalho.

Fontes

Parte histórica

As fontes utilizadas para a parte histórica, além da bibliografia existente sobre o próprio tema da tese e sobre os campos conexos, foram arquivos oficiais (como o da Universidade de Duquesne e do Espírito Santo de Pittsburgh) e hemerotecas, cartas e entrevistas pessoais com testemunhas diretas ou muitos próximas a elas, com os que pude conversar com mais profundidade ao longo de minhas viagens, para documentar a tese. Sem todas estas pessoas, o presente trabalho não teria sido levado a cabo.

Teologia

No que concerne aos aspectos teológicos, a referência essencial são os denominados Documentos de Malinas. Pode afirmar-se já, e a afirmação dificilmente seria contestada, que o Cardeal Suenens, teólogo e pastor, foi até o momento quem mais contribuiu para assentar a Renovação, constituindo-se em seu melhor garantidor ante o Magistério oficial.

A interpretação e ponderação da Renovação no contexto eclesial e do Magistério têm suas fontes, como não poderia ser de outra forma, nos documentos dos Bispos e Papas, e nos conteúdos e conclusões dos Congressos da próprias Renovação.

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Notas


  1. P. FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ, La Renovación Carismática em seu contexto histórico, “Ciencia Tomista” Tomo CVI-347 Salamanca (abril-julho 1979) 194-195.
  2. Ibid., 195.
  3. Em minha investigação sobre a possibilidade de que já se tivesse feito uma tese sobre a História completa da Renovação, devo assinalar que encontrei uma Dissertação teológica para optar ao grau de Licenciatura em Teologia (47 pp.), sobre El Movimiento Carismático em Lima em 1972, de M. La Fay BARDI, O. Cam., na Faculdade de Teologia Pontifícia e Civil de Lima, e Una crítica de la Renovación Carismática en la Iglesia Católica en Inglaterra (43 pp.) “Disertación para uma teología Pastoral”, Agosto de 1988 – sem traduzir – por R. A. Poole, de Heythrop College, University of London. Estes trabalho têm, ao meu juízo, um aproximação ou      valor predominantemente local e se encontram limitados em outros aspectos pelos temas específicos que abordam e por sua pouca extensão.
  4. P. FERNANDEZ RODRÍGUEZ, La Renovación Carismática em su contexto histórico, “Ciencia Tomista” Tomo CVI-347 Salamanca (abril-julho 1979) 194-195.
  5. L. J. SUENENS, ?Un Nuevo Pentecostes?, Desclée de Brouwer, Bilbao, 1975.
  6. Y. M. J. CONGAR, Charismatiques –ou quoi?, “La Croix” Jan. 19 (1974).
  7. F. SULLIVAN, Charisms and Charismatic Renewal – A Biblical and Theological Study, Servant Book, Ann ArborMichiganUSA, 1982.
  8. C. ALDUNATE, Manifestações verbais durante minha estada no Chile, nos natais de 1999 e 2000.
  9. C. ALDUNATE, ?Renovación Carismática?, Ediciones Paulinas, Santiago de Chile, 1982, 31.
  10. Ibid., 35.
  11. P. IANQUITA, Presidente da Coordenação Nacional dos EUA, Conferência Internacional durante o 30º Aniversário da Renovação Carismática, celebrado em Pittsburgh, EUA, em 1997.
  12. ACTES DU COLLOQUE, “Le Point Théologique, L’Expérience de Dieu et le Saint Esprit”, organizado pela Faculdade de Teologia e o Centro de Estudos Ecumênicos de Strasbourg, Beuachesne, França, 1997. Notas do resumo final na contra-capa.
  13. 23ª Assembléia Nacional da Renovação Carismática, celebrada em Madri, de 6 a 8 de julho de 2001.
  14. C. ALDUNATE, Esquema e comentários, preparados durante o encontrou celebrado em dezembro-janeiro (1999-2000) no Centro Loyola, Padre Hurtado, Chile.

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